Notícia - 19/12/2023 - Frigorífico
é condenado a indenizar trabalhadora vítima de estupro cometido por supervisor
Ato de violência ocorreu em cidade do Paraná,
após o trabalho. Na decisão, foi aplicado o Protocolo de Julgamento com
Perspectiva de Gênero do CNJ.
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o assédio e a
violência sexual praticados por um supervisor de um frigorífico paranaense
contra uma empregada. A mulher foi vítima de assédio, estupro e violência
praticados pelo seu superior. O caso ocorreu quando retornava para casa, depois
de perder o transporte fornecido pela empresa por ter trabalhado além do
horário, por ordem do próprio supervisor.
O colegiado reconheceu também os requisitos que justificam a responsabilização
civil da empresa, condenada a pagar reparação por danos morais de R$ 132 mil à
trabalhadora. Depois da violência, a mulher passou a sofrer de estresse
pós-traumático e transtorno depressivo. No entendimento dos ministros que
integram a Sétima Turma, a empresa foi omissa em apurar a conduta do empregado,
acusado de assediar também outras funcionárias.
Na decisão, foi aplicado o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O protocolo prevê que, para casos que
envolvam assédio e violência sexual no ambiente de trabalho, os indícios e o
depoimento da vítima ganham maior relevância.
Assédio
Em depoimento prestado na Justiça do Trabalho, a empregada contou que era
assediada pelo supervisor desde que fora contratada e que relatou o problema a
encarregadas do setor em que atuava no frigorífico. Também disse não ter levado
o caso ao setor de recursos humanos por receio de ter sua credibilidade
questionada, já que o homem falava que seria a palavra dela contra a dele.
Estupro
Segundo o depoimento da mulher, a situação se agravou num dia em que o
supervisor mandou que ela trabalhasse até mais tarde. Enquanto ela esperava
carona para casa, após perder o transporte da empresa, o homem a abordou sob
xingamentos e a forçou fisicamente a entrar em seu carro. Em seguida, ela foi
levada a um motel, onde foi vítima de estupro e violência física e verbal.
Após o episódio, disse ter procurado a equipe de RH da empresa, onde foi
aconselhada a não registrar boletim de ocorrência.
Dano emocional e afastamento
Depois da agressão, a mulher não trabalhou mais no frigorífico. Traumatizada e
com depressão, ficou afastada por atestado médico entre 31/8/2010 e 14/9/2010.
A partir de 15/10/2010, passou a receber auxílio-doença. Em 4/4/2011, pediu
demissão. Perícia médica constatou que ela desenvolveu estresse pós-traumático
e transtorno depressivo que, segundo o laudo, tiveram origem “a partir de um
trauma importante, uma ameaça à vida".
Defesa da empresa
A empresa negou a ocorrência de conduta delituosa, alegando que, se houve algum
problema entre o supervisor e a empregada, “não foi no horário de trabalho, no
ambiente de trabalho ou em razão do trabalho”.
Apesar do argumento, o juízo de primeiro grau entendeu que a empresa não
produziu qualquer prova sobre eventual relacionamento pessoal da trabalhadora
com o agressor. Além disso, a considerou confessa quanto ao conhecimento do
estupro. Isso porque, em depoimento, a representante do frigorífico afirmou que
o episódio foi informado à gerente de RH e que existiam relatos de outros casos
de assédio sexual cometidos pelo supervisor contra funcionárias.
Omissão
Com base nas provas e depoimentos, a Vara do Trabalho entendeu que a mulher foi
vítima de violência sexual inserida no contrato de trabalho. Também considerou
a empresa omissa em seu dever de fiscalizar o ambiente profissional e de adotar
providências em relação ao empregado denunciado por assédio.
A sentença declarou nulo o pedido de demissão, reconheceu a rescisão indireta
do contrato de trabalho (justa causa do empregador) e o direito da trabalhadora
a verbas rescisórias, ao saque do FGTS e ao seguro-desemprego. A empresa ainda
foi condenada a pagar indenização de R$ 30 mil por danos morais e de R$ 6 mil
por danos materiais (referentes aos gastos de um ano de tratamento
psiquiátrico).
Semblante de pavor
Na decisão, a juíza também registrou as condições emocionais da trabalhadora
durante o depoimento prestado na Justiça do Trabalho, citando “o semblante de
pavor”, “o choro ininterrupto”, “os tremores de mãos” e “a ansiedade no falar”.
Condenação afastada
Ao examinar o recurso do frigorífico, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª
Região (PR) concluiu que existiam elementos capazes de comprovar o assédio, mas
não o estupro. Isso porque a empresa nega sua ocorrência, não foi aberto
inquérito ou processo penal para sua análise e a prova testemunhal foi
considerada frágil, diante de divergências nos relatos. Assim, retirou a
condenação às indenizações e reverteu o entendimento sobre a rescisão
decorrente de culpa patronal, confirmando o pedido de demissão.
Provas da omissão
A trabalhadora, então, recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao
examinar o recurso, o relator, ministro Agra Belmonte, entendeu que, diante das
próprias circunstâncias narradas na decisão do TRT, revela-se haver, sim,
provas da conduta omissiva da empresa, que não fiscalizou ou averiguou a
ocorrência de assédio sexual por um de seus funcionários, ocupante de cargo de
chefia, a demandar a necessidade de reenquadramento.
Violência iniciada no trabalho
Para o relator, a violência sexual praticada contra a mulher teve início dentro
da empresa, quando o supervisor determinou que a empregada trabalhasse até mais
tarde, o que a levou a perder o transporte e ficar mais vulnerável, tudo
conforme narrado nos autos.
Assinalou, ainda, que a ausência de processo penal quanto ao estupro não é fato
estranho a situações como essa, pois grande parte das vítimas dessa violência
tem “verdadeiro pavor em expor a agressão sofrida e enfrentar represálias, o
que, no caso dos autos, fica ainda mais palpável, por tratar-se de situação
envolvendo superior hierárquico”.
Julgamento com Perspectiva de Gênero
Agra Belmonte destacou que o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero
do CNJ orienta que, em casos que envolvem assédio e violência sexual no
ambiente de trabalho, “os indícios e o depoimento da vítima ganham especial
relevância”. Assim, pontuou que o conjunto probatório, incluindo o depoimento
pessoal da trabalhadora e das testemunhas constituem “provas indiciária e
indireta suficientes para demonstrar o ilícito, bem como o conhecimento deste
pela empresa”. Seu voto também foi fundamentado na legislação nacional e em
convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Responsabilização da empresa
Para o relator, o dano sofrido pela mulher (depressão e estresse
pós-traumático), a culpa da empregadora e o nexo causal com o trabalho que a
empregada desempenhava são requisitos que justificam a responsabilização da
empresa e a necessidade de reparação civil.
De forma unânime, a Sétima Turma determinou que o frigorífico indenize a
trabalhadora em 100 salários-mínimos pelos danos morais (aproximadamente R$ 132
mil) e em R$ 6 mil por danos patrimoniais, conforme limites do pedido inicial.
A sentença também foi restabelecida quanto à declaração de nulidade do pedido
de demissão, com o reconhecimento de culpa da empresa (rescisão indireta).
Pela gravidade das irregularidades constatadas no meio ambiente de trabalho, a
Sétima Turma determinou também a expedição de ofício ao Ministério Público do
Trabalho para fins de apuração e demais providências cabíveis.
Número do processo omitido porque há segredo de justiça.
Fonte: TST
(https://www.tst.jus.br/web/guest/-/frigor%C3%ADfico-%C3%A9-condenado-a-indenizar-trabalhadora-v%C3%ADtima-de-estupro-cometido-por-supervisor)