23/11/2023 - Notícia - Agente de trânsito
receberá indenização por ser chamado de “negão” em reunião
“Este trabalhador tem um nome, e a utilização da
expressão como vocativo é discriminação racial”, afirmou a relatora, ministra
Kátia Arruda
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Empresa Pública de
Transporte e Circulação S.A. (EPTC), de Porto Alegre (RS), a indenizar um
agente de fiscalização de trânsito chamado de “negão” por um superior
hierárquico durante reunião na empresa. “Este trabalhador tem um nome, e, a
menos que se comprove que o próprio empregado se apresentava por este apelido
ou assim se identificava, a utilização da expressão ‘negão’ como vocativo é
discriminação racial”, afirmou a relatora do caso, ministra Kátia Arruda.
Assédio moral
Na reclamação trabalhista, o agente de trânsito disse que esse chefe
pressionava toda a equipe para aumentar o número de multas aplicadas aos
condutores de veículos de Porto Alegre. Para atingir esse objetivo, ele relatou
que o gerente de fiscalização de trânsito cometia assédio moral de modo
sistemático, e foi nesse contexto que, segundo ele, se deu a discriminação.
Gravação de reuniões
Para comprovar as alegações de assédio moral e tratamento preconceituoso, o
agente de trânsito gravou o áudio de algumas reuniões na empresa, e, em uma
delas, o gerente se refere a ele como “negão”. O empregado público disse que
levou esse fato ao conhecimento da empresa, mas a situação teria sido
relativizada pela diretoria como “mera impropriedade vocabular”.
Segundo ele, as gravações eram provas inequívocas de que recebia tratamento
diferenciado, ameaçador e humilhante diante dos demais colegas. “As palavras
falam por si”, afirmou.
“Tratamento informal”
O agente também juntou ao processo vídeos em que o gerente, ao se defender numa
ação civil pública relativa às cobranças, sustenta que se trata de “vício de
linguagem” e de “forma de tratamento informal corriqueira” na empresa.
Entretanto, o empregado observa que, durante 1h40min gravados de reunião com o
plantão, o tratamento “negão” é direcionado apenas a ele.
Sem intenção de ofender
Ao indeferir o pedido de indenização, a juíza da 17ª Vara do Trabalho de Porto
Alegre entendeu que o chefe, ao usar a palavra “negão” no contexto do áudio,
não teve a intenção de ofender o agente de trânsito em razão de sua raça. Para
ela, o uso do termo teve um caráter apenas vocativo, até mesmo porque não era
acompanhado de adjetivos que pudessem dar uma conotação pejorativa.
“Uma infeliz colocação”
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) manteve o mesmo entendimento
da magistrada de primeira instância. Segundo o voto prevalecente, a conduta do
chefe não passou de “uma infeliz colocação”, e a expressão fora utilizada como
vocativo, que poderia ser substituído sem alterar o sentido do discurso.
Vocativo racial
Para a relatora do recurso do agente ao TST, a utilização de vocativos (termos
de chamamento) relacionados à cor da pele é, em regra, associado à cor de pele
preta. “Não é usual na sociedade brasileira a utilização de vocativos
relacionados à pele branca, de modo que não há como falar que limitar um trabalhador,
no seu ambiente profissional, à cor da sua pele - retirando-lhe sua identidade
como indivíduo único - não configura discriminação racial”, ressaltou.
A partir da transcrição do áudio, a ministra concluiu que o termo não foi
empregado em um contexto em que o próprio trabalhador se identificasse com ela,
“mas de modo grosseiro”.
Racismo recreativo
Segundo ela, o racismo, muitas vezes - como no caso do racismo recreativo - se
camufla de humor ou de vocativo e acaba sendo relativizado pela sociedade. “Não
é porque se trata de prática comum que é uma atitude correta e despida de
preconceitos”, explicou. “A discriminação racial - independentemente da
intenção de quem a pratica ou de sua consciência acerca da configuração da ação
como discriminatória - é agressão grave, que fere direitos de personalidade e
causa dano moral presumido”.
Visão estruturalmente violenta
A relatora citou ainda em seu voto um precedente da Terceira Turma do TST em
que um empregado também havia sido chamado de “negão”. Naquele caso, os
ministros entenderam que “não há espaço para o que o Judiciário trabalhista
chancele uma visão estruturalmente violenta e excludente”.
Por unanimidade, a Turma condenou a empresa ao pagamento de indenização no
valor de um salário do agente de trânsito.
(Bruno Vilar e Carmem Feijó)
Processo: RR-20658-94.2019.5.04.0017
Fonte: Portal do TST ( https://www.tst.jus.br/web/guest/-/agente-de-tr%C3%A2nsito-receber%C3%A1-indeniza%C3%A7%C3%A3o-por-ser-chamado-de-neg%C3%A3o-em-reuni%C3%A3o