A RESPONSABILIDADE DOS AGENTES
PÚBLICOS NOS PROCESSOS LICITATÓRIOS - MEF34573 - BEAP - MEF34573 - BEAP
ISMAEL FERNANDES OLIVEIRA *
A proposta do presente artigo é fazer uma abordagem
acerca da responsabilidade dos agentes públicos, em processos de licitações,
desde a publicação do edital até a sua homologação final, tudo isto, à luz da
Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992),
observadas, a Doutrina, a Jurisprudência e a Analogia, fontes do Direito.
Inicialmente, há que se definir o que vem a ser
“agente público” e, em nossa compreensão, trata de uma denominação de gênero,
composto por variadas espécies de pessoas físicas que, a seu turno, mantêm
inúmeras e distintas relações jurídicas com o Poder Público, em todas as suas
esferas.
Considerando ser o “agente público” uma denominação
de gênero, é possível extrair como suas espécies, os servidores estatutários,
os servidores temporários e os empregados públicos, inclusive, comungando com a
doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
Para a ilustre doutrinadora, Maria Sylvia Zanella Di
Pietro¹, “agente público é toda pessoa
física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração
Indireta”.
Já, nas palavras de Edmir Netto de Araújo²: “(...) todo aquele que, de alguma forma, sob
qualquer categoria ou título jurídico, desempenha função ou atribuição
considerada pelo Poder Público como a si pertinente (...) SERÁ, enquanto a desempenhar, UM AGENTE PÚBLICO” (grifos e
destaques nossos).
Referidas relações jurídicas, quanto à sua duração,
podem ser permanentes ou temporárias e se caracterizam pelo grau de
subordinação e hierarquia existente entre os licitantes e o Poder Público,
mesmo se se tratar de relações de cooperação não remuneradas.
Neste sentido, José Cretella
Júnior³ ensina que, a expressão “agente público” encerra, em sua terminologia:
“todo indivíduo que participa
de maneira permanente, temporária ou acidental da atividade do Estado, quer
editando atos jurídicos, quer executando atos de natureza técnica e material”.
Levando em consideração o fato de que a atividade
administrativa se submete, integralmente, ao crivo de seus respectivos órgãos
corregedores, resta inexorável que a atuação de seus agentes estará, também,
subordinada a estas corregedorias.
Inobstante, mister asseverar que todos os agentes
públicos, independentemente de sua categoria, estão submetidos ao regime
jurídico da tríplice responsabilidade.
Significa dizer que, seja no âmbito administrativo,
cível ou penal, os agentes públicos responderão pelos atos ilícitos que
praticarem no exercício de suas funções ou atividades e serão
responsabilizados, na medida de sua atuação.
Obviamente, este subscritor não pretende exaurir tema
tão extenso em tão breve análise, mas, informar, através de situações fáticas,
a necessidade de que a atuação dos agentes públicos seja, sempre, submetida à
fiscalização dos órgãos corregedores.
Em uma primeira análise, há que se considerar a prescindibilidade das investigações das corregedorias, no
que concerne à regularidade, transparência e lisura dos processos de licitação.
Num segundo momento, considerar-se-á o regime
jurídico de responsabilidade a que os agentes públicos, cada qual, segundo a
sua espécie, estão subordinados.
A união destas duas vertentes nos levará à conclusão
do quão importante e particular é a atividade correicional
sobre a atividade exercida pelos agentes públicos, nos processos licitatórios,
independentemente, de suas modalidades.
Conforme a melhor definição, extraída da
Controladoria do Estado de Goiás, a atividade correicional
é o exercício do poder disciplinar do ente estatal, desenvolvido diante da
necessidade de se corrigir desvios de conduta ou transgressões disciplinares
praticadas por servidores públicos.
A atuação precípua das corregedorias consiste em
requisitar a instauração de sindicâncias investigativas ou administrativas,
processos administrativos disciplinares e outros procedimentos, além de avocar
aqueles já em curso perante os órgãos ou entidades da administração pública,
para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da penalidade
administrativa cabível, sempre que constatar omissão da autoridade competente.
No caso específico das licitações, o legislador
pátrio, ao inserir na Lei n.º 8.666/93 a obrigatoriedade da fase procedimental
de habilitação dos interessados em contratar com a Administração Pública,
procurou a preservação da segurança jurídica.
A partir da consideração prévia acerca da capacitação
jurídica e técnica do interessado, bem como sua idoneidade, o legislador buscou
garantir, ao Poder Público, a avaliação e reunião, pelos licitantes, das
condições mínimas exigidas para a execução do objeto.
O rol dos requisitos a serem levados em conta, pela
Administração Pública, estão elencados de forma taxativa no art. 27 da Lei de
Licitações, o qual, assim, dispõe:
Art. 27. Para a habilitação nas
licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa
a:
I - habilitação jurídica;
II - qualificação técnica;
III - qualificação
econômico-financeira;
IV - regularidade fiscal.
V - cumprimento do disposto no
inciso XXXIII do art. 7° da Constituição Federal.
• Segundo Clarissa Duarte Martins4 ,
Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, especialista em
direito público e organização administrativa Brasileira (verbis):
“Por se tratar de
procedimento que visa à avaliação do interessado no que diz respeito à sua
idoneidade e capacidade de assumir obrigações contratuais perante a
Administração na execução do objeto por esta almejado, é de se concluir que se
trata de fase pré-contratual, pouco importando se o ajuste decorrerá de
processo licitatório ou de sua dispensa ou inexigibilidade”.
O Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas
(CEIS) apresenta a relação de empresas e pessoas físicas que sofreram sanções
que implicaram a restrição de participar de licitações ou de celebrar contratos
com a Administração Pública.
Segundo o Portal da Transparência do Governo Federal,
os impedimentos de contratação com a
Administração Pública só têm efetividade se forem facilmente verificáveis por
órgãos e entidades no momento da licitação (grifos e destaques nossos).
Assim, além de promover a transparência da gestão ao
cidadão, o CEIS (Cadastro
Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas) representa uma fonte de referência para todos os gestores públicos
nos processos de compras governamentais, A FIM DE EVITAR CONTRATAÇÃO DOS
IMPEDIDOS EM QUALQUER NÍVEL DA FEDERAÇÃO.
Portanto, a verificação de ausência de registros no
CEIS deve ser utilizada, regularmente, pelos entes públicos na etapa de
habilitação em processos licitatórios e CASO
CONTRÁRIO, HAVENDO CONSTATAÇÃO POSTERIOR DE QUALQUER IMPEDIMENTO, NÃO PODE, O
LICITANTE, SER PENALIZADO DIANTE DA DESÍDIA DO ADMINISTRADOR PÚBLICO.
Não são raros os casos em que interessados na participação
em processos licitatórios, na fase final ou, até mesmo, após a fase
homologatória, são surpreendidos com a informação acerca de eventuais
impedimentos, administrativos ou judiciais.
Muitas vezes, este tipo de informação vem através de
Ação Civil Pública ou Ação de Improbidade Administrativa, estas, titularizadas pelo Ministério Público.
Verificando-se
que o agente público não observou o dever de cuidado, quando da verificação do
preenchimento dos requisitos para participação no processo licitatório, certo é
que a responsabilização deverá recair sobre o agente público e não sobre a
empresa ou pessoa física, interessados no processo licitatório.
Neste espeque, na ótica de Raul Miguel Freitas de
Oliveira5 , duas são as dimensões da responsabilidade civil do
servidor público, uma voltada aos danos causados por sua ação ou omissão ao
patrimônio público e outra ao patrimônio do particular.
Quanto à segunda dimensão, adota-se a regra do artigo
37, §6º, da Constituição Federal de 1988, segundo a qual o Estado responde
objetivamente pelos danos sofridos pelo particular, decorrentes de ação ou
omissão de seus agentes, exercendo o seu direito regressivo perante tais
agentes causadores, caso comprovada sua responsabilidade individual.
Em uma situação fática, determinado licitante,
participou regularmente de um processo licitatório, o que pressupôs o
preenchimento de todos os requisitos do art. 27 da Lei de Licitações.
Posteriormente, fora notificado acerca de uma demanda
judicial perpetrada pelo Ministério Público, fundada em suposta declaração
falsa, firmada em processo licitatório, de que não incorria nos impedimentos
legais, quando na verdade, havia, em seu desfavor, sanção que o proibia de
contratar com o poder público, da qual não tinha conhecimento.
No caso narrado, a desídia da administração pública
ou mesmo do poder judiciário em não notificar o licitante acerca da sansão
aplicada, o fez acreditar que não incorria nos impedimentos legais.
Neste sentido e, aqui, trazendo uma constução doutrinária, o nosso entendimento é que
publicação de sentença em diário oficial, em determinados casos, se mostra
precária, pois, apenas tem o condão de cumprir orientação legal de que todos os
atos da emanados dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, devem observar
o princípio da publicidade.
Portanto, a nosso aviso, a mera publicação de
sentença em diário oficial, não substitui a necessidade de intimação pessoal da
parte.
Apenas para exemplificar, não são raros os casos em
que o procurador / advogado constituído, falece no curso do processo de modo a
impossibilitar que a parte tenha conhecimento das publicações, intimações e
decisões proferidas nos processos judiciais.
A regra estabelecida no parágrafo 4 do artigo 513,
nos permite afirmar que, ainda que a parte tenha advogado constituído nos
autos, caso o pedido de cumprimento de sentença seja feito, somente após
decorrido o lapso temporal de um ano, contado do trânsito em julgado da
sentença, a intimação necessariamente
será pessoal, prescindindo-se da figura do advogado.
Há que se considerar que, desde a sentença até o
início da execução / cumprimento de sentença (obrigação de pagar, obrigação de
fazer, dentre outras), nem sempre é possível fazer uma constatação definitiva
sobre a atividade do causídico perante a parte, de sorte que, pelo longo
decurso do tempo sem movimentação processual, pode ser, também, que o
procurador, outrora constituído, já tenha abandonado de fato o patrocínio da
causa.
Nessas situações, ou seja, com o longo tempo entre a
sentença e o início da execução, a parte que suportou algum tipo de condenação
ou sanção, deve ser intimada, pessoalmente, para que cumpra a decisão, seja
ela, judicial ou administrativa.
Tal se justifica, exatamente, para se evitar a insegurança
e surpresas processuais capazes de prejudicar a parte, eventualmente,
condenada, a fim de que seja preservada a sua própria idoneidade, seja ela,
pessoa física, seja ela, pessoa jurídica.
Surge, a partir daí, uma salutar discussão
relacionada se a comunicação do decisum pode ser feita através do advogado
constituído nos autos, ou se a intimação da parte tem que ser pessoal, já que, uma vez condenada, existem sanções,
por ele, a serem cumpridas.
Observe-se que, no caso de condenação em obrigação de
pagar, a súmula 410 do STJ estabelece que a intimação pessoal do devedor deve
ser feita para que a multa de astreintes possa ser contabilizada.
Assim, por analogia, entendemos que a intimação
pessoal da parte deve se dar em todas as esferas de poder e em todas as fases
dos procedimentos, caso contrário, haverá flagrante risco de se banalizar a
boa-fé subjetiva.
Não são raros, os casos em que atos executórios, ou
seja, de cumprimento de sentenças, foram declarados nulos por falta de
intimação pessoal da parte.
Daí, a necessidade de ser reconhecida a importância
da intimação pessoal, em caráter dúplice, ou seja, do procurado / advogado
constituído e, também, da parte que o constituiu.
A própria Convenção Interamericana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica,
do qual o Brasil é signatário), garante ao acusado o direito de conhecer
integralmente imputações contra ele.
A exemplo do entendimento firmado, pelo ministro
Aloysio Corrêa da Veiga, da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, a falta
de intimação pessoal da parte, tem o condão de anular sentença trabalhista (RR
2445/1995-030-02-00.5).
A parte faltou a uma audiência e, por isso, foi
condenada por confissão ficta (termo
usado para o caso em que, tendo sido intimada, a parte não comparece nem
apresenta defesa e, assim, admitem-se como verdadeiros os fatos sobre os quais
deveria se manifestar).
A parte alegou, em suas razões recursais, que houve
notificação oficial apenas ao advogado, não sendo expedida intimação pessoal em
seu desfavor, por entender que a intimação deve ser endereçada diretamente à
parte.
Na decisão, à época da vigência do CPC de 1973, o
relator citou o artigo 343 do Código de Processo Civil, também aplicado na
Justiça do Trabalho, o qual estabelecia: “A
parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se
presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou,
comparecendo, se recuse a depor.
Ora, se para comparecer em audiência a parte deve ser
intimada pessoalmente, a nosso ver, é de bom alvitre que a mesma seja intimada
da decisão proferida em Juízo, principalmente, se referida decisão é de cunho
condenatório, seja na esfera, penal, cível ou administrativa.
Assim,
juristas, doutrinadores, julgadores e operadores do Direito, necessitam
compreender e estender aos processos cíveis e administrativos, a aplicação
desta formalidade, amplamente, utilizada no Processo Penal, qual seja, a dupla
intimação, tanto do procurador, quanto de seu constituinte.
Certamente, esta seria a melhor forma de se evitar
que injustiças sejam cometidas pela própria Justiça.
Lado outro, o agente público que, tendo à sua
disposição, as ferramentas de consulta de regularidade, transparência e
idoneidade (CEIS), no momento da análise dos documentos de habilitação, não
cuidou de verificar a situação do licitante, induzindo, o mesmo, a declarar o
seu desimpedimento para participar do processo licitatório.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a
responsabilidade se configura em caso de má-fé, culpa grave ou erro grosseiro.
Assim, resta cristalino que a responsabilidade do
agente público em questão, se adstringe a uma situação de erro grave,
inescusável ou a uma conduta omissiva, praticada em um viés de culpa, na
modalidade “negligência”.
Da análise do que fora tratado em linhas transatas,
onde foram abordadas as funcões das corregedorias
administrativas, em conjunto com a análise relativa ao agente público e sua
responsabilidade, é possível inferir que as casas corregedoras, em sua
atividade típica, podem e devem exercer fiscalização sobre os atos do servidor
público, visando a sua correção e, até mesmo, a aplicação de sanções.
NOTAS
¹ DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Temas polêmicos
sobre licitações e contratos, São Paulo: Malheiros, 5ª ed., 2006.
² ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito
Administrativo, São Paulo: Ed. Saraiva, 2005.
³ CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1970.
4
https://jus.com.br/artigos/13664/exigencia-de-certidoes-comprobatorias-de-regularidade-fiscal-e-previdenciaria-nas-aquisicoes-urgentes-e-de-pequeno-valor
5 Graduado, Mestre e Doutor em Direito
Administrativo pela Faculdade de Direito da USP. Professor de Ciência Política
e Direito, Direito Administrativo e Direito de Construir e Estatuto da Cidade
no curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie - campus Campinas.
Procurador Chefe da Procuradoria da Câmara Municipal de Santa Bárbara
d’Oeste/SP. Ex-Advogado da Consultoria Jurídica da
USP. Ex-Procurador do Município de Campinas/SP.
*
Advogado, Gerente do Departamento Jurídico do Sindpol/MG,
Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Estado de Minas Gerais, Membro da
1ª Comissão Disciplinar do Futebol Amador da Capital (BH) e Membro
da
Comissão Sindical da OAB/MG.
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