OS IMPACTOS DO CONTINGENCIAMENTO ORÇAMENTÁRIO E FINANCEIRO DA UNIÃO SOBRE A GESTÃO DAS UNIDADES GESTORAS DO PODER EXECUTIVO FEDERAL - MEF33069 - BEAP

 

 

DIEGO RICARDO MARQUES *

RODRIGO FERREIRA FELICIANO DE LIMA **

 

 

                INTRODUÇÃO

                No Brasil, não se pensa em planejamento orçamentário público sem mencionar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que foi um marco no processo de reforma administrativa e financeira, por ter como um dos principais objetivos a restrição de despesas orçamentárias ao longo do exercício a montantes inferiores àqueles autorizados na Lei Orçamentária Anual (LOA) e nos créditos adicionais, com a finalidade de compatibilizar a execução das despesas com o ingresso de receitas (SILVA, 2014).

                Entre o amplo rol de limitações impostas pela LRF, está o contingenciamento (ABRAHAM, 2016). O contingenciamento orçamentário é o mecanismo de restrição automática e obrigatória da execução do orçamento, na forma de contenção de empenho e movimentação financeira ao longo do exercício a patamares menores do que aqueles aprovados pelo Poder Legislativo quando da edição e aprovação da Lei Orçamentária Anual e nos créditos adicionais (ABRAHAM, 2016).

                A justificativa para a escolha do presente tema recai no amplo espaço para estudo sobre os efeitos da LRF, que, inevitavelmente, atinge o contingenciamento como objeto central de estudo (REIS; PEREIRA; SLOMSKI, 2006). Além disso, Santos (2004) e Sacramento (2005) justificam a importância que os Tribunais de Contas passaram a ter com o advento da LRF e também a existência de um estudo com tema semelhante realizado por Galhardo (2013). Este estudo detectou que, para as Unidades Gestoras (UGS) situadas no Estado de São Paulo, os reflexos desta Lei se manifestam sob a forma de artifícios adotados por seus gestores para viabilizar a execução orçamentária, que permitiram o comparativo dos resultados obtidos no presente trabalho.

                A revisão da doutrina em consonância com as determinações expressadas pelo TCU, no parecer prévio das contas da presidência em conjunto com os processos de tomada de contas das UGs analisadas, será essencial para a construção de todo o referencial teórico que contextualizará a questão central da pesquisa: Quais são os impactos do contingenciamento da União nas UGs vinculadas ao Poder Executivo?

                O que se pretende demonstrar ao final do presente estudo são os reflexos do contingenciamento no orçamento das UGs, sob duas formas. A primeira, apontando a forma como os impactos podem manifestar-se na gestão. A segunda, demonstrando quais os artifícios que afrontam os princípios impostos à administração pública, o que viabilizaria aos gestores a execução orçamentária integral dos créditos autorizados, impactando diretamente o equilíbrio fiscal.

 

                1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

                1.1 A LRF e a Execução Orçamentária

                Com o advento do Plano Real, em 1994, originou-se um ambiente propenso para uma nova estruturação econômica do Brasil, exemplificado no processo de ordenamento das contas públicas que caminham nas direções da política de corte e de gastos eficientes, na recuperação da receita tributária, no fim da inadimplência das dívidas dos estados e municípios para com a União, no controle dos bancos estaduais, no saneamento dos bancos federais e na privatização. Esta nova modelagem necessitou de muita transparência, reparos nas bases governamentais e, principalmente, de uma nova modelagem nas diretrizes legais que regem os gastos públicos (BOURROUL e FERREIRA, 2014).

                Nesse contexto é que se insere a tão importante e comentada Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, popularmente conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que veio como mecanismo de regulamentação dos artigos 163 e 169 da Constituição Federal de 1988, abrangendo em seu aspecto os três níveis da administração pública, quais sejam: Federal, Estadual e Municipal (LEITE, 2006).

                Entre as principais mudanças decorrentes do advento da LRF, está o nascimento de uma ferramenta de restrição automática e obrigatória da execução do orçamento na forma de limitação de empenho e movimentação financeira, estando sua aplicação vinculada unicamente à vontade e necessidade dos administradores (CRUZ, 2011).

                Todavia, os gestores orçamentários, antes de recorrerem ao mecanismo do contingenciamento para adequar os gastos aos limites legais impostos pela legislação pátria, devem ponderar dois aspectos essenciais e imprescindíveis: o primeiro é definir o momento adequado e legal para contingenciar; o segundo, por sua vez, é saber o que deve e pode ser contingenciado (DELBUS, 2001).

                No tocante ao primeiro aspecto, o momento adequado para contingenciar (DELBUS, 2001) deve-se recorrer à determinação imposta no caput do art. 9º da LRF, que afirma, de maneira cristalina e taxativa, que, após o acompanhamento bimestral em que houver a constatação de frustração de receita, o gestor deverá contingenciar despesas.

                Agora, em relação ao segundo aspecto, ou seja, ao que deve e pode ser contingenciado, o gestor obedecerá à regra prevista na LDO (DELBUS, 2001). O art. 9º da LRF estabelece que o contingenciamento deverá acontecer “segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”, uma vez que o art. 4º da Lei de Responsabilidade Fiscal atribuiu, de forma expressa, à LDO a função de dispor sobre o equilíbrio entre receitas e despesas e, por consequência lógica, caberá a ela a função de estabelecer os critérios a serem adotados quando o equilíbrio estiver ameaçado.

                É inevitável destacar que, com o surgimento da LRF, as LDOs passaram a deter novas competências, que, além de darem contribuição ao Texto Constitucional, ampliaram a importância do controle dos gastos públicos (GIACOMONI, 2012). A LRF tem como objetivo primordial alcançar equilíbrio entre as receitas e as despesas públicas (LEITE, 2006). Ou seja, ela é uma ferramenta essencial para o planejamento orçamentário da União.

                O planejamento orçamentário é uma ferramenta que diminui as desigualdades sociais da LRF. É por meio dele que, analisando o controle fiscal rígido imposto pela legislação, permitirá que os gestores públicos estabeleçam o que é mais importante, prioritário e imprescindível para aperfeiçoar a alocação dos recursos disponíveis e não incorrer na necessidade de interromper, abruptamente, de cortar linearmente ações e despesas de interesse social imediato (JUNIOR e MARÇAL, 2016).

                Albuquerque, Medeiros e Feijó (2008) ressaltam que o planejamento é um ato essencial e obrigatório para o administrador público. O preceito legal da LRF que impõe a obrigatoriedade de que todo o planejamento ocorra em consonância com as LDOs e com a LOA é, na verdade, uma reprodução da imposição constitucional prevista no art. 165 da Constituição Federal de 1988.

                A LRF estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, remetendo à LDO a competência para definição das metas fiscais.

                Metas fiscais nada mais são do que os limites de gastos públicos e são a forma mais transparente para realizar o planejamento entre as receitas e despesas (GIAMBIAGI, 2011).

                O planejamento, todavia, não foi a única inovação da LRF, pois em que seria útil o estabelecimento de diretrizes e elaboração de um orçamento se não houvesse um efetivo controle e adoção de medidas preventivas e transparentes para que ele fosse obedecido?

                Portanto, é fato incontroverso que a essência da filosofia de responsabilidade fiscal da LRF seja traduzida em quatro bases: planejar, controlar, prevenir e transparecer (ALBUQUERQUE, MEDEIROS E FEIJÓ, 2008).

                Para dar efetividade ao viés de controle instituído pela LRF, como mencionado em linhas passadas, foram atribuídas algumas prerrogativas e competências aos órgãos de controle interno e externo (SILVA, 2014).

                O art. 59 da LRF se destacou como um importante instrumento de definição da forma sistemática à atuação dos órgãos de controle interno e externo quanto à apuração, fiscalização e coerção da administração dos responsáveis, com a finalidade de assegurar a plena obediência aos ditames legais da gestão fiscal equilibrada (SILVA, 2014).

                Além disso, a LRF inovou, ainda, ao impor importante papel ao TCU na análise das contas anuais da Presidência da República, mesmo não sendo o órgão julgador. Determinou que o parecer prévio proferido pelo Tribunal passasse a ter caráter conclusivo (SILVA, 2014).

                O parecer prévio veio a ser importante instrumento na transparência da gestão orçamentária e passou a ser o instrumento adequado para auxiliar no diagnóstico dos possíveis reflexos do contingenciamento sobre a gestão dos administradores e sobre a execução dos programas de Governo (SILVA, 2014).

 

                1.2 Das Receitas

                O esquema a seguir demonstra de forma didática as etapas da receita pública. Vejamos: Esquema 1 - O reconhecimento da receita pública é regulamentado pela Lei nº 4.320/1964, em seus artigos 51 e 53, que estabelecem o direito de cobrança de tributos com base em dois preceitos: i) a criação de um tributo e ii) sua inclusão no orçamento por meio de Lei, à luz das regras constitucionais. Logo, constitui-se reconhecimento de receita para o ente a combinação da instituição de um tributo e sua inclusão no orçamento.

 

Esquema 1 - Execução Orçamentária e Estágios da Receita

 

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Fonte: Os autores.

 

Esquema 2 - Execução Orçamentária e Estágios da Despesa

 

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Fonte: Os autores.

 

                1.3 Das Despesas

                O Esquema acima demonstra as etapas da despesa pública: Esquema 2.

                O reconhecimento da despesa ocorre com a liquidação, como preceitua o art. 35 da Lei nº 4.320/1964 (BRASIL. Lei nº 4.320, 1964), confirmado pelo inciso II do art. 50 da LRF (BRASIL. Lei Complementar nº 101, 2000). Entretanto, essa não é a regra plena e única, pois, como Albuquerque, Medeiros e Feijó (2006) afirmam, principais exceções à regra legal são a sistemática aplicável a um conceito da execução orçamentária e financeira pública que apresenta importante reflexo sobre o mecanismo do Contingenciamento: o conceito de restos a pagar (GALHARDO, 2013).

                1.4 Do Contingenciamento

                Como demonstrado em linhas passadas, uma das principais mudanças decorrentes do advento da LRF é o nascimento do mecanismo do contingenciamento (ARAUJO e LOUREIRO, 2005).

                O contingenciamento é uma ferramenta primordial na preservação do equilíbrio orçamentário previsto pela LRF. Deve esse mecanismo ser compreendido como uma ferramenta de restrição automática e obrigatória da execução na forma de limitação de empenho e movimentação financeira, estando sua aplicação vinculada à vontade e necessidade dos administradores (ABRAHAM, 2016).

                A seguir um esquema será apresentado para breve demonstração de sua atuação: Esquema 3

 

Esquema 3 - Demonstração do Momento de Ocorrência do Contingenciamento

 

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Fonte: Os autores.

 

                1.5 Restos a pagar

                A Lei nº 4.320/1964 afirma que a despesa orçamentária empenhada que não for paga até o dia 31 de dezembro, final do exercício financeiro, será considerada como Restos a Pagar, para fins de encerramento do correspondente exercício financeiro. Uma vez empenhada, a despesa pertence ao exercício financeiro em que o empenho ocorreu, onerando a dotação orçamentária daquele exercício (BRASIL. Lei nº 4.320, 1964).

                Entendem-se por restos a pagar de despesas processadas aqueles cuja despesa já tenha sido liquidada, estando, portanto, apta ao pagamento. Nessa fase, a despesa processou-se até a liquidação e, em termos orçamentários, foi considerada realizada, faltando apenas a entrega dos recursos por meio do pagamento (CARVALHO e CECCATO, 2015).

                Por outro lado, restos a pagar de despesas não processadas são aqueles cujo empenho foi legalmente realizado, entretanto, não foi liquidado. Em outras palavras, o empenho fora emitido, contudo o objeto adquirido ainda não foi cumprido e está pendente de algum fator para que ocorra a liquidação; do ponto de vista do Sistema Orçamentário de escrituração contábil, a despesa não está devidamente processada (CARVALHO e CECCATO, 2015).

 

                2. METODOLOGIA DE PESQUISA

                De acordo com Vergara (2007) o presente artigo é de natureza aplicada. A técnica escolhida foi a documental (VERGARA, 2007), como desenvolvido por Galhardo et al. (2013). Além disso, foram empregados procedimentos técnicos de análise de registros públicos, em especial os acórdãos proferidos pelo TCU e, também, no Relatório e Parecer prévio das Contas da Presidência da República.

 

                2.1. Escolha dos documentos

                A seleção dos documentos que foram utilizados como fonte de estudo e instruíram a presente pesquisa foi realizada inicialmente e, após essa seleção, passou-se à escolha da técnica a ser adotada. Assim como ponderado por Galhardo (2013), a importância revelada pela LRF à atuação dos tribunais de contas e a confirmação, pela literatura, desse valor para o efetivo controle e execução do orçamento foram essenciais para o atendimento e a obediência da técnica de pesquisa adotada. O Quadro 1 evidencia os documentos objeto de análise (GALHARDO, et al. 2013).

 

Quadro 1 - Níveis de interpretação dos atos de gestão, prévios e essenciais às deliberações do TCU

 

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Fonte: Os Autores

 

Quadro 2 - Variáveis de Pesquisa, Questões Investigativas e Hipótese Nula

 

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Fonte: Os autores.

 

                2.1.1. Representatividade: Critério de Amostragem

                Para limitar espacial e temporalmente o volume de documentos oficiais a serem submetidos aos procedimentos analíticos, adotou-se uma amostra não probabilística (GALHARDO, et al. 2013), compreendendo os julgamentos sobre as contas das UGs localizadas no Distrito Federal, tomadas desde o primeiro ano de vigência da LRF, em 2001 (GALHARDO, et al. 2013), até as contas submetidas, em 2016, relativas ao exercício de 2015.

                Assim como Galhardo et al. (2013), as determinações direcionadas aos Serviços Sociais Autônomos foram excluídas da análise final, pois tais entes geram recursos próprios, de natureza parafiscal, e que, por consequência, não compõem o Orçamento Fiscal.

                As empresas públicas e sociedades de economia mista, apesar de serem contempladas com recursos ordinários do orçamento da União, também foram excluídas da base de dados para obtenção do resultado final, já que dificilmente seria possível separar as determinações do órgão de contas relacionadas à execução de despesas com recursos próprios dessas unidades daquelas financiadas com recursos do Tesouro (GALHARDO, et al. 2013).

                Logo, o universo de UGs que a presente pesquisa limitou-se a analisar foi de 40 UG da administração direta, autárquica e fundacional.

 

                2.2 Variáveis, índices e indicadores de mensuração

                O presente trabalho apresenta duas questões investigativas, que possuem uma variável em comum: a presença de potencial contingenciamento - PrestPotCont (GALHARDO, et al. 2013).

                Na primeira questão investigativa, o objetivo central era apurar a correlação da variável em comum com os impactos na gestão como variável independente - ImpactGest (GALHARDO, et al. 2013). Já na segunda linha de trabalho, o que foi investigado foi o elo entre o contingenciamento e os artifícios mais comuns que os gestores utilizam para conseguirem executar o orçamento inicial em sua integridade - Artif-Gest (GALHARDO, et al. 2013). O Quadro 2 evidencia as variáveis do estudo.

                Em cada uma das linhas investigativas do presente estudo acadêmico, é viável apontar variáveis passíveis de apreciação em escala nominal. Nesta pesquisa, o caminho adotado foi o de tentar prescrever uma escala ordinal de mensuração que traduzisse a variação no grau de certeza da inferência feita sobre a relação com o contingenciamento, desde uma relação expressa até a inexistência de possibilidade, atravessando, inclusive, por graduações intermediárias: forte, razoável e fraca (GALHARDO, et al. 2013).

                Para fins de organização das categorias de efeitos e de artimanhas, unificou-se ao modelo de representação a classificação de uma característica das categorias correspondente às áreas de gestão-AreaGest. Essa categorização obedece às aglomerações clássicas referenciadas pela literatura e também perfilhadas pelo TCU em suas decisões normativas, que visam regulamentar o trâmite dos processos de tomada e prestação de contas, podendo ostentar as seguintes divisões em uma escala nominal: Operacional, Orçamentária, Financeira, Patrimonial; Recursos Humanos; Suprimentos de Bens e Serviços e Controles da Gestão (GALHARDO, et al. 2013).

                As divisões supramencionadas foram relacionadas à variável Area-Gest, a partir de cada assentamento das variáveis Impact-Gest e Artif-Gest, com base na categorização de equivalência das classes de impactos e de artifícios nas áreas de gestão (GALHARDO, et al. 2013).

 

                2.3 Instruções de registro de codificação

                Superada a fase da pré-análise, iniciou-se uma das partes cruciais para a obtenção do resultado final, qual seja: a organização da codificação para viabilizar a análise quantitativa e categorial do material selecionado (GALHARDO, et al. 2013).

 

                2.3.1 Regras de recorte do texto

                O estudo sobre as orientações/determinações do TCU direcionadas às UGs foi realizado, adotando a sequência procedimental descrita no Quadro 3.

                2.4 Coleta de dados

                A coleta de dados foi realizada entre 13.02.2016 e 04.10.2016. Foram pesquisados 15 relatórios e pareceres prévios sobre as contas da Presidência da República e, similarmente, nos processos de prestação de contas submetidos ao TCU de 40 UGs.

 

                3. DOS RESULTADOS OBTIDOS

                3.1 Equilíbrio das Contas

                O equilíbrio das contas públicas está, sem dúvida, entre os mais fortes pilares de sustentação na LRF. Esse equilíbrio é dado pela relação fixada das receitas com os gastos públicos e, em busca desses objetivos, foi instituída a figura do contingenciamento orçamentário. Ele deve ser entendido como mecanismo de restrição automática e obrigatória da execução do orçamento na forma de limitação de empenho e movimentação financeira e deve ser utilizado como ferramenta necessária para a manutenção do equilíbrio financeiro do Estado.

                Entretanto, após a primeira fase do levantamento de dados, que compreendeu o período de 13.2.2016 a 4.10.2016, demonstrou-se que a ferramenta do contingenciamento é comumente utilizada, com o intuito de se manter o equilíbrio das contas, e esse instrumento de limitação de empenho assombra os gestores públicos.

                Todavia, alguns dados levantados durante a realização da pesquisa demonstraram que a simples utilização do contingenciamento como instrumento de controle do equilíbrio das contas é em vão.

                Em caminho diametralmente oposto ao dos elevados percentuais de contingenciamento que contemplaram as UGs do Poder Executivo, ficou demonstrado um crescimento considerável de UGs ao longo dos anos, com exceção do exercício de 2016, como demonstra o Gráfico 01.

                Isso traz à luz a discussão da também crescente necessidade de UGs para conseguir manter o controle dessas manutenções, com a constante necessidade de contingenciar as despesas de tais órgãos. Em par, vem se elevando o volume financeiro registrado em restos a pagar, demonstrando fragilidade e camuflando um baixo desempenho econômico financeiro das UGs.

                O crescente volume no saldo de restos a pagar apresentado nos relatórios das UGs, entre os anos de 2007 e 2014, deixa claro e evidente que essa ferramenta de orçamento público tem sido não apenas utilizada, mas certamente explorada de forma abusiva como mecanismo de desobstrução das amarras de segurança da LRF. Isso deturpa o equilíbrio das contas orçamentárias, já que esse saldo de restos a pagar irá impactar o exercício subsequente, apesar de sua competência ser de exercício anterior. O Gráfico 2 apresenta a evolução desse saldo de restos a pagar do período acima determinado.

                Portanto, fica comprovado que os valores inscritos como restos a pagar, desde o exercício financeiro de 2001 até o de 2015, cresceu de forma considerável e em patamares muito elevados, como demonstrado no Gráfico 2.

                Uma das explicações lógicas para esse constante crescimento de despesas inscritas como restos a pagar, sejam como processados ou não processados, é um dos efeitos constatados dos sistemáticos contingenciamentos orçamentários da União.

 

Quadro 3 - Unidades de Registro e Procedimentos de Tratamento de Dados

 

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Fonte: Os autores.

 

Gráfico 1 - Evolução do Número de Unidades Gestoras

 

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Fonte: Dados de pesquisa.

 

Gráfico 2 - Evolução dos Valores Inscritos como Restos a Pagar

 

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Fonte: Dados de pesquisa.

 

Quadro 4 - Demonstrativo dos Resultados Obtidos

 

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Fonte: Dados de pesquisa.

 

                3.2 Artifícios do Gestor

                Visto que a ferramenta do contingenciamento é comumente utilizada pela administração pública, passou-se a analisar qual é a relação entre a constante evolução das despesas inscritas como restos a pagar com os artifícios utilizados pelos gestores para fugirem do decreto de contingenciamento.

                A crescente evolução dos valores inscritos como restos a pagar pode ser atribuída como uma saída encontrada pelos gestores para burlar os sistemáticos contingenciamentos. Portanto, o empenho indiscriminado no início dos exercícios e o não pagamento, após o cumprimento de todas as etapas da despesa, enseja a sua inscrição em restos a pagar, o que justifica a constante evolução de despesas empenhadas como restos a pagar.

                Observa-se que o processo de análise de conteúdo das determinações permitiu identificar em um grau considerável de aproximadamente 43% da ocorrência da elevação do grau de contingenciamento com a evolução das despesas inscritas como restos a pagar.

                A utilização do artifício de inscrever despesas como restos a pagar é muito utilizada pelos gestores, como forma de fugir das restrições orçamentárias e financeiras, pois aquelas despesas inscritas como restos a pagar não comprometem o cálculo do resultado no ano de sua inscrição. Nessa fase, as despesas encontram-se somente empenhadas e, no máximo, liquidadas (restos a pagar processados), estando ainda pendentes de pagamento.

                Apesar de a inscrição de despesas em restos a pagar ser uma prática antiga e comum entre os gestores, ela foi alvo de constantes alertas do TCU. Entretanto, foi no emblemático e histórico julgamento das contas da Presidência da República referentes ao exercício de 2014 que restou demonstrada de forma taxativa e clara o uso desse artifício por parte dos gestores públicos.

 

Gráfico 3 - Média Percentual de Contingenciamento nos Exercícios de 2010 a 2014

 

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Fonte: Dados de Pesquisa

 

                Os reflexos do contingenciamento materializam-se sob a forma de artifícios — em especial a inscrição excessiva de despesas em restos a pagar por parte dos gestores com a finalidade de viabilizar a execução orçamentária e financeira, prejudicando o equilíbrio fiscal. A seguir o Quadro 4 demonstra a síntese dos resultados.

 

                3.3 Os Efeitos do Contingenciamento na Gestão

                O grau de relação do impacto dos contingenciamentos na gestão das unidades pode ser considerado como forte, pois está presente em 84% dos relatórios fiscais estudados e é apresentado em 100% dos relatórios como um dos principais motivos para a inexecução total dos programas e ações.

                Nesse sentindo, merecem destaque as informações de que os primeiros relatos expressos de que o uso da ferramenta de contingenciamento interfere diretamente na execução das ações e programas propostos pelas UGs constou no Relatório e Parecer prévio das contas do exercício de 2002.

                Todavia, foi nos exercícios de 2009, 2010 e 2011 que os efeitos negativos do contingenciamento sobre as ações e programas desenvolvidos pelas UGs restou evidenciada.

                A Tabela abaixo apresenta dados do conjunto de ações prioritárias para os exercícios de 2009, 2010 e 2011, e revela a redução significativa do número de ações relacionadas como prioritárias:

 

Execução das Ações Prioritárias - 2009 - 2011

 

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Fonte: Relatório e Parecer Prévio das Contas da Presidência - exercício de 2011

                Os órgãos, em sua totalidade, no exercício de 2011, justificam a baixa execução das ações prioritárias pelo elevado número de ações incluídas no Projeto de Lei do Poder Executivo e pelo contingenciamento.

                Entende-se, assim, que o relato do contingenciamento impossibilitou a execução orçamentária da totalidade das ações programadas e incluídas pelo Congresso Nacional, constatando-se em 95% dos relatórios de gestão analisados, principalmente naqueles que mais foram afetados com a necessidade de contingenciar. Abaixo segue o Gráfico 3, referindo-se aos exercícios de 2010 a 2014, anos que mais sofreram com o contingenciamento.

                Pode-se afirmar que, após análise dos relatórios de gestão das UGs contempladas em conjunto com o Relatório e Parecer Prévio das Contas da Presidência da República, restou confirmada uma forte relação de reflexos do contingenciamento orçamentário da União na gestão das UGs, em especial no tocante à impossibilidade de realização completa das ações e programas, e também na celebração de convênios.

 

                4. CONCLUSÃO

                A principal finalidade deste trabalho foi tentar identificar os principais reflexos do contingenciamento orçamentário e financeiro da União, previsto no art. 9º da RF, sobre a gestão das Unidades Gestoras vinculadas ao Poder Executivo.

                A obtenção das informações necessárias para o desenvolvimento do presente trabalho, obedecendo ao cronograma planejado inicialmente, somente foi possível porque as deliberações estão disponíveis no portal eletrônico daquela Corte de Contas.

                Apesar de todas as limitações impostas durante o desenvolvimento da presente pesquisa, foi perfeitamente possível assegurar que os resultados obtidos atenderam às expectativas iniciais e, por consequência, o objetivo principal, isso porque o estudo e a minuciosa análise das orientações e determinações contidas nos acórdãos proferidos nos autos de Tomada de Contas anuais em conjunto com os relatórios de gestão anuais viabilizaram a descoberta dos impactos do contingenciamento orçamentário e financeiro da União sobre a gestão das UGs contempladas.

                O resultado obtido após o processo de catalogação das informações alcançadas foi essencial para a conclusão de que os reflexos do contingenciamento manifestam-se sob a forma de artimanhas desenvolvidas pelos gestores para possibilitar a execução orçamentária e financeira, sem prejudicar o normal caminhar das ações e dos programas desenvolvidos pelo órgão.

                O principal artifício adotado pelos gestores é a inscrição excessiva de despesas em restos a pagar, fazendo com que os valores inscritos como tais cresçam a ponto de prejudicar a execução orçamentária e financeira dos exercícios seguintes e, por consequência, causem danos irreversíveis e de grande relevância para as contas públicas.

                Ainda, foi possível identificar, após todo o processo de análise de conteúdo existente nos relatórios de gestão anuais das unidades jurisdicionadas, um fortíssimo grau de relação da ocorrência de relatos em que os sistemáticos contingenciamentos orçamentários da União impossibilitavam o atendimento e a execução de todas as ações e programas previstos em um primeiro planejamento, inclusive daqueles incluídos pelo Congresso Nacional.

                Logo, concluímos que as distorções e os abusos na aplicação da ferramenta do contingenciamento orçamentário da União produzem inúmeros efeitos negativos na administração das UGs vinculadas ao Poder Executivo. Caso esse mecanismo contribua de fato para a execução das metas de superávit primário, eles podem ser demonstrados por meio dos marcantes números de ações e programas que não foram interrompidos precocemente e, principalmente, aqueles que sequer foram iniciados.

                Por fim, demonstrou-se que a ferramenta do contingenciamento deve ser utilizada com ressalvas e os seus efeitos positivos devem ser interpretados com ressalvas, já que a sua má utilização trará consequências prejudiciais à administração; foi comumente utilizada; e apresentou como resultado um elevado número de ações e programas como restos a pagar, contribuindo decisivamente para o desequilíbrio orçamentário e financeiro das contas públicas.

                Tem-se, portanto, que o presente trabalho apresentou como resultado final o fato de os reflexos não figurarem nas orientações e determinações do TCU de forma direta. Assim, para o aperfeiçoamento futuro deste trabalho, o universo de UGs será ampliado e a linha investigativa será restrita para apenas uma variável, qual seja: enfoque das artimanhas de fato utilizadas pelos gestores com a finalidade de fugir da necessidade de contingenciar grande parte do orçamento da unidade que administra.

 

                5. REFERÊNCIAS

                ABRAHAN, Marcus. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL COMENTADA. Editora Forense. 2016.

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* Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Católica de Brasília (UCB), é pós-graduando em Gestão Fiscal pela Faculdade UnyLeya. (Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1278863868455636)

** Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Católica de Brasília (UCB).

 

 

(Fonte: RBC nº 231)

 

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