OS IMPACTOS DO CONTINGENCIAMENTO
ORÇAMENTÁRIO E FINANCEIRO DA UNIÃO SOBRE A GESTÃO DAS UNIDADES GESTORAS DO
PODER EXECUTIVO FEDERAL - MEF33069 - BEAP
DIEGO
RICARDO MARQUES *
RODRIGO
FERREIRA FELICIANO DE LIMA **
INTRODUÇÃO
No Brasil, não se pensa em
planejamento orçamentário público sem mencionar a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), que foi um marco no processo de reforma administrativa e
financeira, por ter como um dos principais objetivos a restrição de despesas
orçamentárias ao longo do exercício a montantes inferiores àqueles autorizados
na Lei Orçamentária Anual (LOA) e nos créditos adicionais, com a finalidade de
compatibilizar a execução das despesas com o ingresso de receitas (SILVA,
2014).
Entre o amplo rol de limitações
impostas pela LRF, está o contingenciamento (ABRAHAM, 2016). O
contingenciamento orçamentário é o mecanismo de restrição automática e obrigatória
da execução do orçamento, na forma de contenção de empenho e movimentação
financeira ao longo do exercício a patamares menores do que aqueles aprovados
pelo Poder Legislativo quando da edição e aprovação da Lei Orçamentária Anual e
nos créditos adicionais (ABRAHAM, 2016).
A justificativa para a escolha
do presente tema recai no amplo espaço para estudo sobre os efeitos da LRF,
que, inevitavelmente, atinge o contingenciamento como objeto central de estudo
(REIS; PEREIRA; SLOMSKI, 2006). Além disso, Santos (2004) e Sacramento (2005)
justificam a importância que os Tribunais de Contas passaram a ter com o
advento da LRF e também a existência de um estudo com tema semelhante realizado
por Galhardo (2013). Este estudo detectou que, para as Unidades Gestoras (UGS)
situadas no Estado de São Paulo, os reflexos desta Lei se manifestam sob a
forma de artifícios adotados por seus gestores para viabilizar a execução
orçamentária, que permitiram o comparativo dos resultados obtidos no presente
trabalho.
A revisão da doutrina em
consonância com as determinações expressadas pelo TCU, no parecer prévio das
contas da presidência em conjunto com os processos de tomada de contas das UGs analisadas, será essencial para a construção de todo o
referencial teórico que contextualizará a questão central da pesquisa: Quais
são os impactos do contingenciamento da União nas UGs
vinculadas ao Poder Executivo?
O que se pretende demonstrar ao
final do presente estudo são os reflexos do contingenciamento no orçamento das UGs, sob duas formas. A primeira, apontando a forma como os
impactos podem manifestar-se na gestão. A segunda, demonstrando quais os
artifícios que afrontam os princípios impostos à administração pública, o que
viabilizaria aos gestores a execução orçamentária integral dos créditos
autorizados, impactando diretamente o equilíbrio fiscal.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 A LRF e a Execução
Orçamentária
Com o advento do Plano Real, em
1994, originou-se um ambiente propenso para uma nova estruturação econômica do
Brasil, exemplificado no processo de ordenamento das contas públicas que
caminham nas direções da política de corte e de gastos eficientes, na
recuperação da receita tributária, no fim da inadimplência das dívidas dos
estados e municípios para com a União, no controle dos bancos estaduais, no
saneamento dos bancos federais e na privatização. Esta nova modelagem
necessitou de muita transparência, reparos nas bases governamentais e,
principalmente, de uma nova modelagem nas diretrizes legais que regem os gastos
públicos (BOURROUL e FERREIRA, 2014).
Nesse contexto é que se insere a
tão importante e comentada Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000,
popularmente conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que veio como
mecanismo de regulamentação dos artigos 163 e 169 da Constituição Federal de
1988, abrangendo em seu aspecto os três níveis da administração pública, quais
sejam: Federal, Estadual e Municipal (LEITE, 2006).
Entre as principais mudanças
decorrentes do advento da LRF, está o nascimento de uma ferramenta de restrição
automática e obrigatória da execução do orçamento na forma de limitação de
empenho e movimentação financeira, estando sua aplicação vinculada unicamente à
vontade e necessidade dos administradores (CRUZ, 2011).
Todavia, os gestores
orçamentários, antes de recorrerem ao mecanismo do contingenciamento para
adequar os gastos aos limites legais impostos pela legislação pátria, devem
ponderar dois aspectos essenciais e imprescindíveis: o primeiro é definir o
momento adequado e legal para contingenciar; o segundo, por sua vez, é saber o
que deve e pode ser contingenciado (DELBUS, 2001).
No tocante ao primeiro aspecto,
o momento adequado para contingenciar (DELBUS, 2001) deve-se recorrer à
determinação imposta no caput do art. 9º da LRF, que afirma, de maneira
cristalina e taxativa, que, após o acompanhamento bimestral em que houver a
constatação de frustração de receita, o gestor deverá contingenciar despesas.
Agora, em relação ao segundo
aspecto, ou seja, ao que deve e pode ser contingenciado, o gestor obedecerá à
regra prevista na LDO (DELBUS, 2001). O art. 9º da LRF estabelece que o
contingenciamento deverá acontecer “segundo os critérios fixados pela lei de
diretrizes orçamentárias”, uma vez que o art. 4º da Lei de Responsabilidade
Fiscal atribuiu, de forma expressa, à LDO a função de dispor sobre o equilíbrio
entre receitas e despesas e, por consequência lógica, caberá a ela a função de
estabelecer os critérios a serem adotados quando o equilíbrio estiver ameaçado.
É inevitável destacar que, com o
surgimento da LRF, as LDOs passaram a deter novas
competências, que, além de darem contribuição ao Texto Constitucional,
ampliaram a importância do controle dos gastos públicos (GIACOMONI, 2012). A
LRF tem como objetivo primordial alcançar equilíbrio entre as receitas e as
despesas públicas (LEITE, 2006). Ou seja, ela é uma ferramenta essencial para o
planejamento orçamentário da União.
O planejamento orçamentário é
uma ferramenta que diminui as desigualdades sociais da LRF. É por meio dele
que, analisando o controle fiscal rígido imposto pela legislação, permitirá que
os gestores públicos estabeleçam o que é mais importante, prioritário e
imprescindível para aperfeiçoar a alocação dos recursos disponíveis e não
incorrer na necessidade de interromper, abruptamente, de cortar linearmente
ações e despesas de interesse social imediato (JUNIOR e MARÇAL, 2016).
Albuquerque, Medeiros e Feijó
(2008) ressaltam que o planejamento é um ato essencial e obrigatório para o
administrador público. O preceito legal da LRF que impõe a obrigatoriedade de
que todo o planejamento ocorra em consonância com as LDOs
e com a LOA é, na verdade, uma reprodução da imposição constitucional prevista
no art. 165 da Constituição Federal de 1988.
A LRF estabeleceu normas de
finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, remetendo
à LDO a competência para definição das metas fiscais.
Metas fiscais nada mais são do
que os limites de gastos públicos e são a forma mais transparente para realizar
o planejamento entre as receitas e despesas (GIAMBIAGI, 2011).
O planejamento, todavia, não foi
a única inovação da LRF, pois em que seria útil o estabelecimento de diretrizes
e elaboração de um orçamento se não houvesse um efetivo controle e adoção de
medidas preventivas e transparentes para que ele fosse obedecido?
Portanto, é fato incontroverso
que a essência da filosofia de responsabilidade fiscal da LRF seja traduzida em
quatro bases: planejar, controlar, prevenir e transparecer (ALBUQUERQUE,
MEDEIROS E FEIJÓ, 2008).
Para dar efetividade ao viés de
controle instituído pela LRF, como mencionado em linhas passadas, foram
atribuídas algumas prerrogativas e competências aos órgãos de controle interno
e externo (SILVA, 2014).
O art. 59 da LRF se destacou
como um importante instrumento de definição da forma sistemática à atuação dos
órgãos de controle interno e externo quanto à apuração, fiscalização e coerção
da administração dos responsáveis, com a finalidade de assegurar a plena
obediência aos ditames legais da gestão fiscal equilibrada (SILVA, 2014).
Além disso, a LRF inovou, ainda,
ao impor importante papel ao TCU na análise das contas anuais da Presidência da
República, mesmo não sendo o órgão julgador. Determinou que o parecer prévio
proferido pelo Tribunal passasse a ter caráter conclusivo (SILVA, 2014).
O parecer prévio veio a ser
importante instrumento na transparência da gestão orçamentária e passou a ser o
instrumento adequado para auxiliar no diagnóstico dos possíveis reflexos do
contingenciamento sobre a gestão dos administradores e sobre a execução dos
programas de Governo (SILVA, 2014).
1.2 Das Receitas
O esquema a seguir demonstra de
forma didática as etapas da receita pública. Vejamos: Esquema 1 - O
reconhecimento da receita pública é regulamentado pela Lei nº 4.320/1964, em
seus artigos 51 e 53, que estabelecem o direito de cobrança de tributos com
base em dois preceitos: i) a criação de um tributo e ii) sua inclusão no
orçamento por meio de Lei, à luz das regras constitucionais. Logo, constitui-se
reconhecimento de receita para o ente a combinação da instituição de um tributo
e sua inclusão no orçamento.
Esquema 1 - Execução
Orçamentária e Estágios da Receita
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Os autores.
Esquema 2 - Execução
Orçamentária e Estágios da Despesa
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Os autores.
1.3
Das Despesas
O
Esquema acima demonstra as etapas da despesa pública: Esquema 2.
O
reconhecimento da despesa ocorre com a liquidação, como preceitua o art. 35 da
Lei nº 4.320/1964 (BRASIL. Lei nº 4.320, 1964), confirmado pelo inciso II do
art. 50 da LRF (BRASIL. Lei Complementar nº 101, 2000). Entretanto, essa não é
a regra plena e única, pois, como Albuquerque, Medeiros e Feijó (2006) afirmam,
principais exceções à regra legal são a sistemática aplicável a um conceito da
execução orçamentária e financeira pública que apresenta importante reflexo
sobre o mecanismo do Contingenciamento: o conceito de restos a pagar (GALHARDO,
2013).
1.4
Do Contingenciamento
Como
demonstrado em linhas passadas, uma das principais mudanças decorrentes do
advento da LRF é o nascimento do mecanismo do contingenciamento (ARAUJO e
LOUREIRO, 2005).
O
contingenciamento é uma ferramenta primordial na preservação do equilíbrio
orçamentário previsto pela LRF. Deve esse mecanismo ser compreendido como uma
ferramenta de restrição automática e obrigatória da execução na forma de
limitação de empenho e movimentação financeira, estando sua aplicação vinculada
à vontade e necessidade dos administradores (ABRAHAM, 2016).
A
seguir um esquema será apresentado para breve demonstração de sua atuação:
Esquema 3
Esquema 3 -
Demonstração do Momento de Ocorrência do Contingenciamento
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Os autores.
1.5
Restos a pagar
A Lei nº 4.320/1964 afirma que a
despesa orçamentária empenhada que não for paga até o dia 31 de dezembro, final
do exercício financeiro, será considerada como Restos a Pagar, para fins de
encerramento do correspondente exercício financeiro. Uma vez empenhada, a
despesa pertence ao exercício financeiro em que o empenho ocorreu, onerando a
dotação orçamentária daquele exercício (BRASIL. Lei nº 4.320, 1964).
Entendem-se por restos a pagar
de despesas processadas aqueles cuja despesa já tenha sido liquidada, estando,
portanto, apta ao pagamento. Nessa fase, a despesa processou-se até a
liquidação e, em termos orçamentários, foi considerada realizada, faltando
apenas a entrega dos recursos por meio do pagamento (CARVALHO e CECCATO, 2015).
Por outro lado, restos a pagar
de despesas não processadas são aqueles cujo empenho foi legalmente realizado,
entretanto, não foi liquidado. Em outras palavras, o empenho fora emitido,
contudo o objeto adquirido ainda não foi cumprido e está pendente de algum
fator para que ocorra a liquidação; do ponto de vista do Sistema Orçamentário
de escrituração contábil, a despesa não está devidamente processada (CARVALHO e
CECCATO, 2015).
2.
METODOLOGIA DE PESQUISA
De
acordo com Vergara (2007) o presente artigo é de natureza aplicada. A técnica
escolhida foi a documental (VERGARA, 2007), como desenvolvido por Galhardo et al. (2013). Além disso, foram empregados
procedimentos técnicos de análise de registros públicos, em especial os
acórdãos proferidos pelo TCU e, também, no Relatório e Parecer prévio das
Contas da Presidência da República.
2.1.
Escolha dos documentos
A
seleção dos documentos que foram utilizados como fonte de estudo e instruíram a
presente pesquisa foi realizada inicialmente e, após essa seleção, passou-se à
escolha da técnica a ser adotada. Assim como ponderado por Galhardo (2013), a
importância revelada pela LRF à atuação dos tribunais de contas e a
confirmação, pela literatura, desse valor para o efetivo controle e execução do
orçamento foram essenciais para o atendimento e a obediência da técnica de
pesquisa adotada. O Quadro 1 evidencia os documentos objeto de análise
(GALHARDO, et al. 2013).
Quadro 1 - Níveis de
interpretação dos atos de gestão, prévios e essenciais às deliberações do TCU
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Os Autores
Quadro 2 - Variáveis
de Pesquisa, Questões Investigativas e Hipótese Nula
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Os autores.
2.1.1.
Representatividade: Critério de Amostragem
Para
limitar espacial e temporalmente o volume de documentos oficiais a serem
submetidos aos procedimentos analíticos, adotou-se uma amostra não
probabilística (GALHARDO, et al. 2013),
compreendendo os julgamentos sobre as contas das UGs
localizadas no Distrito Federal, tomadas desde o primeiro ano de vigência da
LRF, em 2001 (GALHARDO, et al. 2013),
até as contas submetidas, em 2016, relativas ao exercício de 2015.
Assim
como Galhardo et al. (2013), as
determinações direcionadas aos Serviços Sociais Autônomos foram excluídas da
análise final, pois tais entes geram recursos próprios, de natureza parafiscal, e que, por consequência, não compõem o
Orçamento Fiscal.
As
empresas públicas e sociedades de economia mista, apesar de serem contempladas
com recursos ordinários do orçamento da União, também foram excluídas da base
de dados para obtenção do resultado final, já que dificilmente seria possível
separar as determinações do órgão de contas relacionadas à execução de despesas
com recursos próprios dessas unidades daquelas financiadas com recursos do
Tesouro (GALHARDO, et al. 2013).
Logo,
o universo de UGs que a presente pesquisa limitou-se
a analisar foi de 40 UG da administração direta, autárquica e fundacional.
2.2 Variáveis, índices e
indicadores de mensuração
O presente trabalho apresenta
duas questões investigativas, que possuem uma variável em comum: a presença de
potencial contingenciamento - PrestPotCont (GALHARDO,
et al. 2013).
Na primeira questão
investigativa, o objetivo central era apurar a correlação da variável em comum
com os impactos na gestão como variável independente - ImpactGest
(GALHARDO, et al. 2013). Já na segunda
linha de trabalho, o que foi investigado foi o elo entre o contingenciamento e
os artifícios mais comuns que os gestores utilizam para conseguirem executar o
orçamento inicial em sua integridade - Artif-Gest
(GALHARDO, et al. 2013). O Quadro 2
evidencia as variáveis do estudo.
Em cada uma das linhas investigativas
do presente estudo acadêmico, é viável apontar variáveis passíveis de
apreciação em escala nominal. Nesta pesquisa, o caminho adotado foi o de tentar
prescrever uma escala ordinal de mensuração que traduzisse a variação no grau
de certeza da inferência feita sobre a relação com o contingenciamento, desde
uma relação expressa até a inexistência de possibilidade, atravessando,
inclusive, por graduações intermediárias: forte, razoável e fraca (GALHARDO, et al. 2013).
Para fins de organização das
categorias de efeitos e de artimanhas, unificou-se ao modelo de representação a
classificação de uma característica das categorias correspondente às áreas de gestão-AreaGest. Essa categorização obedece às aglomerações
clássicas referenciadas pela literatura e também perfilhadas pelo TCU em suas
decisões normativas, que visam regulamentar o trâmite dos processos de tomada e
prestação de contas, podendo ostentar as seguintes divisões em uma escala
nominal: Operacional, Orçamentária, Financeira, Patrimonial; Recursos Humanos;
Suprimentos de Bens e Serviços e Controles da Gestão (GALHARDO, et al. 2013).
As divisões supramencionadas
foram relacionadas à variável Area-Gest, a partir de
cada assentamento das variáveis Impact-Gest e Artif-Gest, com base na categorização de equivalência das
classes de impactos e de artifícios nas áreas de gestão (GALHARDO, et al. 2013).
2.3 Instruções de registro de
codificação
Superada a fase da pré-análise,
iniciou-se uma das partes cruciais para a obtenção do resultado final, qual seja:
a organização da codificação para viabilizar a análise quantitativa e
categorial do material selecionado (GALHARDO, et
al. 2013).
2.3.1 Regras de recorte do texto
O estudo sobre as
orientações/determinações do TCU direcionadas às UGs
foi realizado, adotando a sequência procedimental descrita no Quadro 3.
2.4
Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada
entre 13.02.2016 e 04.10.2016. Foram pesquisados 15 relatórios e pareceres
prévios sobre as contas da Presidência da República e, similarmente, nos
processos de prestação de contas submetidos ao TCU de 40 UGs.
3. DOS RESULTADOS OBTIDOS
3.1 Equilíbrio das Contas
O equilíbrio das contas públicas
está, sem dúvida, entre os mais fortes pilares de sustentação na LRF. Esse
equilíbrio é dado pela relação fixada das receitas com os gastos públicos e, em
busca desses objetivos, foi instituída a figura do contingenciamento
orçamentário. Ele deve ser entendido como mecanismo de restrição automática e
obrigatória da execução do orçamento na forma de limitação de empenho e
movimentação financeira e deve ser utilizado como ferramenta necessária para a
manutenção do equilíbrio financeiro do Estado.
Entretanto, após a primeira fase
do levantamento de dados, que compreendeu o período de 13.2.2016 a 4.10.2016, demonstrou-se
que a ferramenta do contingenciamento é comumente utilizada, com o intuito de
se manter o equilíbrio das contas, e esse instrumento de limitação de empenho
assombra os gestores públicos.
Todavia, alguns dados levantados
durante a realização da pesquisa demonstraram que a simples utilização do
contingenciamento como instrumento de controle do equilíbrio das contas é em
vão.
Em caminho diametralmente oposto
ao dos elevados percentuais de contingenciamento que contemplaram as UGs do Poder Executivo, ficou demonstrado um crescimento
considerável de UGs ao longo dos anos, com exceção do
exercício de 2016, como demonstra o Gráfico 01.
Isso traz à luz a discussão da
também crescente necessidade de UGs para conseguir
manter o controle dessas manutenções, com a constante necessidade de
contingenciar as despesas de tais órgãos. Em par, vem se elevando o volume
financeiro registrado em restos a pagar, demonstrando fragilidade e camuflando
um baixo desempenho econômico financeiro das UGs.
O crescente volume no saldo de
restos a pagar apresentado nos relatórios das UGs,
entre os anos de 2007 e 2014, deixa claro e evidente que essa ferramenta de
orçamento público tem sido não apenas utilizada, mas certamente explorada de
forma abusiva como mecanismo de desobstrução das amarras de segurança da LRF.
Isso deturpa o equilíbrio das contas orçamentárias, já que esse saldo de restos
a pagar irá impactar o exercício subsequente, apesar de sua competência ser de
exercício anterior. O Gráfico 2 apresenta a evolução desse saldo de restos a
pagar do período acima determinado.
Portanto, fica comprovado que os
valores inscritos como restos a pagar, desde o exercício financeiro de 2001 até
o de 2015, cresceu de forma considerável e em patamares muito elevados, como
demonstrado no Gráfico 2.
Uma
das explicações lógicas para esse constante crescimento de despesas inscritas
como restos a pagar, sejam como processados ou não processados, é um dos
efeitos constatados dos sistemáticos contingenciamentos orçamentários da União.
Quadro 3 - Unidades de
Registro e Procedimentos de Tratamento de Dados
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Os autores.
Gráfico
1 - Evolução do Número de Unidades Gestoras
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Dados de pesquisa.
Gráfico 2 - Evolução
dos Valores Inscritos como Restos a Pagar
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Dados de pesquisa.
Quadro 4 -
Demonstrativo dos Resultados Obtidos
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Dados de pesquisa.
3.2
Artifícios do Gestor
Visto que a ferramenta do
contingenciamento é comumente utilizada pela administração pública, passou-se a
analisar qual é a relação entre a constante evolução das despesas inscritas
como restos a pagar com os artifícios utilizados pelos gestores para fugirem do
decreto de contingenciamento.
A crescente evolução dos valores
inscritos como restos a pagar pode ser atribuída como uma saída encontrada
pelos gestores para burlar os sistemáticos contingenciamentos. Portanto, o
empenho indiscriminado no início dos exercícios e o não pagamento, após o
cumprimento de todas as etapas da despesa, enseja a sua inscrição em restos a
pagar, o que justifica a constante evolução de despesas empenhadas como restos
a pagar.
Observa-se que o processo de
análise de conteúdo das determinações permitiu identificar em um grau
considerável de aproximadamente 43% da ocorrência da elevação do grau de
contingenciamento com a evolução das despesas inscritas como restos a pagar.
A utilização do artifício de
inscrever despesas como restos a pagar é muito utilizada pelos gestores, como
forma de fugir das restrições orçamentárias e financeiras, pois aquelas
despesas inscritas como restos a pagar não comprometem o cálculo do resultado
no ano de sua inscrição. Nessa fase, as despesas encontram-se somente
empenhadas e, no máximo, liquidadas (restos a pagar processados), estando ainda
pendentes de pagamento.
Apesar de a inscrição de
despesas em restos a pagar ser uma prática antiga e comum entre os gestores,
ela foi alvo de constantes alertas do TCU. Entretanto, foi no emblemático e
histórico julgamento das contas da Presidência da República referentes ao
exercício de 2014 que restou demonstrada de forma taxativa e clara o uso desse
artifício por parte dos gestores públicos.
Gráfico 3 - Média
Percentual de Contingenciamento nos Exercícios de 2010 a 2014
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Dados de Pesquisa
Os
reflexos do contingenciamento materializam-se sob a forma de artifícios — em
especial a inscrição excessiva de despesas em restos a pagar por parte dos
gestores com a finalidade de viabilizar a execução orçamentária e financeira,
prejudicando o equilíbrio fiscal. A seguir o Quadro 4 demonstra a síntese dos
resultados.
3.3 Os Efeitos do
Contingenciamento na Gestão
O grau de relação do impacto dos
contingenciamentos na gestão das unidades pode ser considerado como forte, pois
está presente em 84% dos relatórios fiscais estudados e é apresentado em 100%
dos relatórios como um dos principais motivos para a inexecução total dos
programas e ações.
Nesse
sentindo, merecem destaque as informações de que os primeiros relatos expressos
de que o uso da ferramenta de contingenciamento interfere diretamente na
execução das ações e programas propostos pelas UGs
constou no Relatório e Parecer prévio das contas do exercício de 2002.
Todavia, foi nos exercícios de
2009, 2010 e 2011 que os efeitos negativos do contingenciamento sobre as ações
e programas desenvolvidos pelas UGs restou
evidenciada.
A Tabela abaixo apresenta dados
do conjunto de ações prioritárias para os exercícios de 2009, 2010 e 2011, e
revela a redução significativa do número de ações relacionadas como
prioritárias:
Execução das Ações
Prioritárias - 2009 - 2011
"FIGURA NÃO INSERIDA POR
ILEGÍVEL NA CONVERSÃO. NA NECESSIDADE OU EVENTUALIDADE, SOLICITAR FAX OU
E-MAIL."
Fonte: Relatório e Parecer Prévio das
Contas da Presidência - exercício de 2011
Os
órgãos, em sua totalidade, no exercício de 2011, justificam a baixa execução
das ações prioritárias pelo elevado número de ações incluídas no Projeto de Lei
do Poder Executivo e pelo contingenciamento.
Entende-se, assim, que o relato
do contingenciamento impossibilitou a execução orçamentária da totalidade das
ações programadas e incluídas pelo Congresso Nacional, constatando-se em 95%
dos relatórios de gestão analisados, principalmente naqueles que mais foram
afetados com a necessidade de contingenciar. Abaixo segue o Gráfico 3, referindo-se
aos exercícios de 2010 a 2014, anos que mais sofreram com o contingenciamento.
Pode-se afirmar que, após
análise dos relatórios de gestão das UGs contempladas
em conjunto com o Relatório e Parecer Prévio das Contas da Presidência da
República, restou confirmada uma forte relação de reflexos do contingenciamento
orçamentário da União na gestão das UGs, em especial
no tocante à impossibilidade de realização completa das ações e programas, e
também na celebração de convênios.
4. CONCLUSÃO
A principal finalidade deste
trabalho foi tentar identificar os principais reflexos do contingenciamento
orçamentário e financeiro da União, previsto no art. 9º da RF, sobre a gestão
das Unidades Gestoras vinculadas ao Poder Executivo.
A obtenção das informações
necessárias para o desenvolvimento do presente trabalho, obedecendo ao
cronograma planejado inicialmente, somente foi possível porque as deliberações
estão disponíveis no portal eletrônico daquela Corte de Contas.
Apesar
de todas as limitações impostas durante o desenvolvimento da presente pesquisa,
foi perfeitamente possível assegurar que os resultados obtidos atenderam às
expectativas iniciais e, por consequência, o objetivo principal, isso porque o
estudo e a minuciosa análise das orientações e determinações contidas nos
acórdãos proferidos nos autos de Tomada de Contas anuais em conjunto com os
relatórios de gestão anuais viabilizaram a descoberta dos impactos do
contingenciamento orçamentário e financeiro da União sobre a gestão das UGs contempladas.
O resultado obtido após o
processo de catalogação das informações alcançadas foi essencial para a
conclusão de que os reflexos do contingenciamento manifestam-se sob a forma de
artimanhas desenvolvidas pelos gestores para possibilitar a execução orçamentária
e financeira, sem prejudicar o normal caminhar das ações e dos programas
desenvolvidos pelo órgão.
O principal artifício adotado
pelos gestores é a inscrição excessiva de despesas em restos a pagar, fazendo
com que os valores inscritos como tais cresçam a ponto de prejudicar a execução
orçamentária e financeira dos exercícios seguintes e, por consequência, causem
danos irreversíveis e de grande relevância para as contas públicas.
Ainda, foi possível identificar,
após todo o processo de análise de conteúdo existente nos relatórios de gestão
anuais das unidades jurisdicionadas, um fortíssimo grau de relação da
ocorrência de relatos em que os sistemáticos contingenciamentos orçamentários
da União impossibilitavam o atendimento e a execução de todas as ações e
programas previstos em um primeiro planejamento, inclusive daqueles incluídos
pelo Congresso Nacional.
Logo, concluímos que as
distorções e os abusos na aplicação da ferramenta do contingenciamento
orçamentário da União produzem inúmeros efeitos negativos na administração das UGs vinculadas ao Poder Executivo. Caso esse mecanismo
contribua de fato para a execução das metas de superávit primário, eles podem
ser demonstrados por meio dos marcantes números de ações e programas que não
foram interrompidos precocemente e, principalmente, aqueles que sequer foram
iniciados.
Por fim, demonstrou-se que a
ferramenta do contingenciamento deve ser utilizada com ressalvas e os seus
efeitos positivos devem ser interpretados com ressalvas, já que a sua má
utilização trará consequências prejudiciais à administração; foi comumente
utilizada; e apresentou como resultado um elevado número de ações e programas
como restos a pagar, contribuindo decisivamente para o desequilíbrio
orçamentário e financeiro das contas públicas.
Tem-se, portanto, que o presente
trabalho apresentou como resultado final o fato de os reflexos não figurarem
nas orientações e determinações do TCU de forma direta. Assim, para o
aperfeiçoamento futuro deste trabalho, o universo de UGs
será ampliado e a linha investigativa será restrita para apenas uma variável,
qual seja: enfoque das artimanhas de fato utilizadas pelos gestores com a
finalidade de fugir da necessidade de contingenciar grande parte do orçamento
da unidade que administra.
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* Bacharel em
Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub)
e bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Católica de Brasília (UCB),
é pós-graduando em Gestão Fiscal pela Faculdade UnyLeya.
(Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1278863868455636)
** Bacharel em
Ciências Contábeis pela Universidade Católica de Brasília (UCB).
(Fonte:
RBC nº 231)
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