CONCEITO DE INSUMO PARA FINS DE APROPRIAÇÃO DE CRÉDITOS DO PIS/PASEP E DA COFINS NA SISTEMÁTICA NÃO CUMULATIVA - MEF32849 - IR

 

 

RICARDO PAULO SCHUMACHER FILHO *

PROF. ME. DANIEL EARL NELSON **

 

 

                1. INTRODUÇÃO

                As discussões sobre o conceito de insumo para fins de apropriação de créditos do Programa de Integração Social (PIS)/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) vêm de longa data. As controvérsias foram motivadas, principalmente, por conta da edição das Instruções Normativas (INs) nº 247/2002 (alterada pela IN nº 358/2003) e nº 404/2004, pela Receita Federal do Brasil (RFB), que buscou demonstrar seu entendimento a respeito das disposições contidas nas Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003. No entanto, diversos contribuintes sentiram-se prejudicados pelo conceito de insumo traçado pelas referidas IN’s, levando-os a litigar nas esferas administrativas e judiciais.

                Frente a tais impasses, surgiu a questão-problema do estudo, que busca responder: Qual a definição doutrinária de insumo para desconto de créditos do PIS/Pasep e da Cofins, e quais as bases legais utilizadas pela RFB em suas decisões em relação às adotadas por determinados Tribunais?

                Busca-se, em síntese, analisar de forma comparativa o conceito legal de insumo para fins de creditamento no âmbito da não cumulatividade do PIS/Pasep e da Cofins, à luz da legislação infraconstitucional. Para isso, de forma específica, procura-se explorar a posição da Doutrina, bem como decisões de determinados Tribunais administrativos e judiciais. Almeja-se, também, confrontar tais entendimentos entre si e em relação ao posicionamento da RFB acerca da matéria, interpretando-os de maneira crítica e construtiva.

                De forma a atingir os objetivos traçados, o presente trabalho organizou-se em cinco capítulos. O primeiro deles, denominado “introdução”, buscou traçar um panorama geral do artigo, permitindo ao leitor uma visão ampla do tema. O capítulo subsequente (referencial teórico) subdividiu-se em cinco subcapítulos, demonstrando as posições de diversos órgãos e de membros da Doutrina. Na sequência, apresentou-se a metodologia empregada no artigo, de maneira a introduzir o quarto capítulo, o qual se dedicou a descrever a análise e discussão dos resultados obtidos, efetuando uma comparação crítica entre as posições. Por fim, expõem-se as considerações finais, desenvolvendo um resgate dos principais pontos do trabalho.

                Aspira-se, dessa maneira, a colaborar, por meio das argumentações de cada vertente/decisão, com os debates que tratam da matéria. Outrossim, pretende-se contribuir para com as pessoas jurídicas no melhor gerenciamento de seus créditos tributários, uma vez que o não aproveitamento desses poderá acarretar aumento de sua carga tributária, gerando reflexos nas possíveis cadeias subsequentes.

 

                2. REFERENCIAL TEÓRICO

                2.1 PIS/Pasep e Cofins não cumulativos e o crédito de insumo

                Até o ano de 2002, o PIS/Pasep e a Cofins incidentes sobre o faturamento das pessoas jurídicas apresentavam-se apenas de forma cumulativa, isto é, com base em determinado fato gerador, aplicava-se uma alíquota específica, a fim de se encontrar o valor a ser recolhido aos cofres públicos. A mudança ocorreu com a promulgação da Lei n.º 10.637/2002, que instituiu a sistemática não cumulativa para o PIS/Pasep; já para a Cofins, a instituição da referida sistemática ocorreu por meio da Lei nº 10.833/2003 (BRASIL, 2002; BRASIL, 2003).

                Esse método de recolhimento não cumulativo, já adotado anteriormente para o IPI e ICMS, ainda que com especificidades próprias de cada tributo, previu que as empresas pudessem descontar créditos sobre determinados bens e serviços e apurar débitos com base em seu faturamento/receita, buscando-se recolher apenas a diferença dessa subtração (BRASIL, 2002; BRASIL, 2003).

                As hipóteses de creditamento foram dispostas no art. 3º das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003. Entre as diversas possibilidades de desconto de créditos previstas, a que gerou maior discussão trata dos bens e serviços utilizados como insumos na prestação de serviços ou na produção de bens destinados à venda (BRASIL, 2002; BRASIL, 2003), uma vez que as redações das referidas Leis foram omissas nesse sentido. Posto isso, na sequência serão abordadas as posições da RFB, da Doutrina, do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e de determinados Tribunais Judiciais (TRF4 e STJ) acerca da matéria.

 

                2.2 Posição da Receita Federal do Brasil

                Com o intuito de demonstrar seu entendimento sobre o tema, a RFB publicou a IN nº 247/2002 (alterada pela IN nº 358/2003) para o PIS/Pasep, e a IN nº 404/2004 para a Cofins. De acordo com o inciso I, § 5º, art. 66 da IN nº 247/2002, bem como o inciso I, § 4º, art. 8º da IN nº 404/2004, podem ser considerados como insumos as matérias-primas, os produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros bens, que se utilizados na produção de bens destinados à venda, sofram alterações “em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação,” [...] (BRASIL, 2002; BRASIL, 2003).

                O posicionamento do órgão gerou diversos impasses no cenário empresarial, principalmente pelo fato de que a linha traçada para o conceito de insumo do PIS/Pasep e da Cofins é restritiva, assemelhando-se a determinadas disposições contidas na legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) (SCHUMACHER FILHO, 2017). Conforme o inciso I, art. 226 do Decreto nº 7.212/2010 (Regulamento do IPI), a pessoa jurídica poderá descontar créditos relativos à “matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados” (BRASIL, 2010, grifo nosso). Verifica-se claramente a similaridade entre as redações dos textos legais supracitados, todavia, cabe destacar que as contribuições ora abordadas possuem como um de seus fatos geradores o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica (art. 1º das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003), enquanto o IPI vincula-se a um processo de industrialização, conforme disposto nos art. 2º a 4º do Decreto nº 7.212/2010.

                Com o objetivo de sanar suas dúvidas e verificar o posicionamento da RFB, diversos contribuintes formulam, recorrentemente, consultas sobre temas específicos ao órgão, que as satisfaz por meio de Soluções de Consulta (SC) (BRASIL, 2015). Em um caso concreto, por intermédio da SC nº 99/2015, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), o contribuinte alçou indagações a respeito da possibilidade de considerar como insumos os equipamentos de proteção individual (EPIs), tendo em vista que a atividade desempenhada por seus colaboradores mantém contato direto com agentes químicos e que, por força do art. 166 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), torna-se obrigatório o fornecimento de tais equipamentos pela empresa (BRASIL, 2015). Em resposta ao questionamento, a RFB posicionou-se contra o desconto de créditos pelo contribuinte, sob alegação de que os EPIs “não se enquadram na categoria de insumos aplicados ou consumidos diretamente nos serviços prestados” (BRASIL, RFB, Solução de Consulta nº 99, Cosit, 2015, grifo nosso), adotando como dispositivos legais as INs nº 247/2002 e nº 404/2004 (BRASIL, 2015).

                Em outro tema vinculado ao debate sobre o conceito de insumos, um contribuinte questionou à RFB se haveria direito ao desconto de créditos em relação aos combustíveis, lubrificantes e peças de manutenção empregados em sua frota própria para o transporte na operação de venda. O órgão, por meio da SC nº 4.005/2017, da Divisão de Tributação das Superintendências Regionais da Receita Federal do Brasil (DISIT) da 4º região, descreveu que os referidos dispêndios não se enquadram no conceito de insumo previsto nas INs 247/2002 e nº 404/2004, pois inexiste a aplicação direta de tais materiais sobre o produto em fabricação, tampouco podem ser considerados como despesa de frete (BRASIL, 2017).

                2.3 Posição da Doutrina

                Diversos membros da Doutrina, logo após a adoção da sistemática não cumulativa para o PIS/Pasep e a Cofins, iniciaram os debates acerca do conceito de insumo. Buscaram compreender e indagar, também, se as disposições contidas nas INs supramencionadas se encontravam em consonância às leis instituidoras das referidas contribuições sociais. Nesse contexto, o respeitado jurista Marco Aurélio Greco (2009, p. 34) nos ensina que:

 

                No caso, estamos perante contribuições cujo pressuposto de fato é a receita ou o faturamento, portanto, sua não cumulatividade deve ser vista como técnica voltada a viabilizar a determinação do montante a recolher em função deles (receita/faturamento).

                Enquanto o processo formativo de um produto aponta no sentido de eventos a ele relativos, o processo formativo da receita ou do faturamento aponta na direção de todos os elementos (físicos ou funcionais) relevantes para sua obtenção. Vale dizer, por mais de uma razão, o universo de elementos captáveis pela não cumulatividade de PIS/Cofins é mais amplo que o do IPI.

 

                Torna-se claro o entendimento de Greco (2009) quando utilizamos, a título de exemplo, as receitas de aluguéis, que, por não possuírem qualquer processo de industrialização em sua obtenção, não integram a base de cálculo do IPI, todavia, estão inseridos no conceito de receita bruta, sujeitando-se, assim, a integrar a base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins. Dado o momento em que se definiu a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica como a base de cálculo para as referidas contribuições, percebe-se a amplitude pretendida pelo legislador. Desse modo, permitir o desconto de créditos apenas sobre os insumos empregados diretamente na prestação de serviço ou no processo produtivo é desconsiderar sua abrangência (MOREIRA; CAMPOS, 2016).

 

                Note-se que a RFB utilizou, para fins de creditamento do PIS/Cofins, os mesmos conceitos aplicados para o cálculo dos créditos de IPI.

                [...]

                Aliás, a ação direta sobre o produto em fabricação foi exigência posta, por primeira vez, pelo Parecer Normativo CST nº 181/1974, para caracterização dos produtos intermediários em matéria de IPI. Uma das consequências da adoção dos mencionados critérios é, por exemplo, a constante negativa por parte da Receita Federal do Brasil do reconhecimento de créditos de PIS/Cofins sobre a aquisição de equipamentos de proteção individual (os EPIs), fundamentais nas indústrias e inclusive exigidos legalmente no País, [...] porém, não “consumidos” em contato com o produto industrializado (por óbvio) (MOREIRA, 2012, p. 2).

 

                O IPI está ligado à produção/fabricação, ou seja, possui unicamente caráter físico material, enquanto o PIS/Pasep e a Cofins englobam aspectos abstratos, como, por exemplo, a prestação de serviço (MARTINS, 2005). Observa-se que tais tributos possuem materialidades distintas, logo, deve haver diferenciação quanto aos conceitos utilizados em cada sistemática não cumulativa. Dessa forma, para fins de tomada de créditos, os insumos devem estar ligados à essencialidade deste à realização da receita ou faturamento, ainda que empregados de forma indireta (LUNARDELLI; MATOS, 2014).

                No entanto, deve-se atentar que tais créditos não podem ser efetuados sobre toda e qualquer despesa, nos termos do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), mas, sim, aquelas essenciais à atividade empresarial desenvolvida (CALCINI, 2010). Calcini (2010) defende a análise individual para cada empresa, haja vista que determinados insumos podem ser essenciais a certa atividade empresarial e não se enquadrarem para outra.

 

                2.4 Posição do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)

                O Carf é o órgão responsável pelo julgamento em segunda instância dos processos de exigência de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF), estando vinculado ao Ministério da Fazenda (BRASIL, 1972). No que tange à sua jurisprudência sobre o conceito de insumos para as contribuições ora analisadas, ainda não há posição consolidada. No entanto, desde meados de 2011, diversos processos vêm sendo decididos em conformidade com a tese construída pelo próprio Conselho e apresentada no Acórdão nº 9303-003.069, da Câmara Superior:

 

                [...]

                “Insumo”, para fins de creditamento do PIS e da Cofins não cumulativos, partindo de uma interpretação histórica, sistemática e teleológica das próprias normas instituidoras de tais tributos (Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003), deve ser entendido como todo custo, despesa ou encargo comprovadamente incorrido na prestação de serviço ou na produção ou fabricação de bem ou produto que seja destinado à venda, e que tenha relação e vínculo com as receitas tributadas (critério relacional), dependendo, para sua identificação, das especificidades de cada processo produtivo.

                (BRASIL, CARF, Acórdão nº 9303-003.069, rel. Conselheiro Rodrigo Cardozo Miranda, Câmara Superior/3ª Turma Ordinária, 2014).

                Em outro julgamento da Câmara Superior (Acordão nº 9303-005.192), datado de 17 de maio de 2017, foi debatido se os dispêndios efetuados para aquisição de uniformes e EPIs estariam abarcados pelo conceito de insumo (BRASIL, 2017). Em seu voto, o relator, conselheiro Andrada Márcio Canuto Natal, expôs que a atividade desenvolvida pela empresa (limpeza e manutenção) necessita de tais bens para sua correta realização, sem os quais não é possível a consecução do faturamento (BRASIL, 2017). Ressalvou, ainda, que, embora seu entendimento encontre-se em consonância ao defendido pela RFB, diante do caso concreto, os uniformes e EPIs sofrem desgaste gradativo em função de sua utilização na prestação de serviço, estando, portanto, em perfeita harmonia com o conceito de insumo das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 (BRASIL, 2017).

                Cabe destacar que, no referido Acórdão, a conselheira Vanessa Marini Cecconello expôs declaração de voto, descrevendo que seguiu o voto do relator em virtude de também considerar os referidos dispêndios como insumos, no entanto, apropriando-se do critério da essencialidade e não das disposições contidas nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004 (BRASIL, 2017). Por maioria dos votos, restou decidido que tais gastos se enquadram como insumos na prestação de serviço do contribuinte, permitindo o abatimento de créditos sobre as aquisições (BRASIL, 2017).

                Já no Acórdão nº 3402-003.992, de 29 de março de 2017, o Carf analisou a possibilidade de desconto de créditos sobre os combustíveis, partes e peças de reposição utilizados na frota própria para o transporte na operação de venda (BRASIL, 2017). No caso em questão, trata-se de empresa que exerce atividade comercial atacadista e buscou reverter as glosas fiscais sobre os dispêndios efetuados em sua frota própria para a realização das entregas de suas mercadorias (BRASIL, 2017). Conforme descrito pela Relatora Conselheira Maysa de Sá Pittondo Deligne, constou no Termo de Verificação Fiscal da fiscalização que, sobre os valores despendidos na aquisição de fretes de outras empresas, fora permitido o desconto de créditos, pois existe previsão expressa na legislação, no entanto, os gastos com a frota própria, empregados na mesma atividade, não se enquadrariam no conceito de insumo (BRASIL, 2017, grifo nosso).

                Para a relatora, a distribuição das mercadorias efetuadas com a frota da empresa é um serviço de transporte prestado aos compradores (BRASIL, 2017). A manutenção de uma frota própria mostra-se totalmente justificável, tendo em vista a comercialização de determinados produtos perecíveis que necessitam de constante refrigeração, logo, os gastos com esses veículos são essenciais à atividade exercida (BRASIL, 2017). Por maioria dos votos, acolheu-se a defesa do contribuinte, permitindo o aproveitamento de créditos sobre os combustíveis e manutenção da frota própria (BRASIL, 2017).

                O posicionamento do Carf acerca da matéria, ainda que não pacificado, vem sofrendo alterações ao longo dos anos (SANTI et al., 2016). Conforme descrito por Santi et al. (2016), entre o período de 2007 e 2010, verificou-se um predomínio de decisões, equiparando o conceito de insumo para o PIS/Pasep e a Cofins ao do IPI, com uma interpretação literal das INs nº 247/2002 e nº 404/2004. Em 2011, começaram a surgir julgamentos versando a uma linha própria do conceito de insumo para as referidas contribuições, levando em consideração, principalmente, a materialidade de cada tributo, destacando-se a essencialidade do insumo à obtenção da receita (SANTI et al., 2016).

 

                2.5 Posição na esfera judicial

                Entre os entendimentos ora analisados (RFB, Carf, Doutrina e Judiciário), o que encontra maior indefinição é o da esfera judicial, pois ainda não há posição consolidada entre os Tribunais. Mesmo assim, é possível estudar decisões que representam a possível orientação de sentenças em determinadas cortes, resguardadas as especificidades de cada julgamento. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ao pesquisar em sua recente jurisprudência se os EPIs estariam abarcados pelo conceito de insumo, observa-se uma tendência negativa ao contribuinte, não os considerando como tal.

                Por meio da Apelação Cível nº 5000104-75.2017.4.04.7108/RS, a relatora, desembargadora federal Luciane Amaral Corrêa Münch, expôs que, embora as técnicas não cumulativas do IPI e do PIS/Pasep e da Cofins sejam distintas, “em relação aos insumos há semelhança de tratamento, na medida em que somente pode ser assim considerado o que se relaciona diretamente à atividade da empresa, com restrições, portanto” (BRASIL, 2017). Na referida decisão, por unanimidade, a 2ª Turma decidiu negar provimento à ação do contribuinte, não permitindo o desconto de créditos sobre os EPIs, sob a alegação de que tais dispêndios, ainda que integrantes da atividade comercial, não se vinculam ao processo produtivo (BRASIL, 2017).

                No entanto, por intermédio da Apelação Cível nº 5004359-53.2015.4.04.7203/SC, a 2ª Turma do TRF4 decidiu, também por unanimidade, reconhecer o direito creditório sobre as aquisições de EPIs (BRASIL, 2017). O relator, desembargador federal Rômulo Pizzolatti, descreveu que a demandante exerce, entre outras atividades, a prestação de serviços de manutenção e conservação, especificamente em redes elétricas e telefônicas. Dessa forma, os EPIs demonstram-se diretamente relacionados à execução do serviço e, portanto, encontram-se abarcados pelo conceito de insumo das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 (BRASIL, 2017). De forma geral, observa-se que o TRF4 justifica suas decisões em sentido favorável às disposições contidas nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004, ou seja, que somente podem ser considerados insumos os bens e serviços aplicados/consumidos de forma direta na prestação de serviço ou na produção de bens destinados à venda (SCHUMACHER, 2017).

                As discussões acerca da matéria são, recorrentemente, alçadas às esferas superiores, sendo os julgamentos, na maioria dos casos, analisados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), por se tratar de matéria infraconstitucional. No ano de 2014, após diversos debates e pedidos de vista dos Ministros do referido Tribunal, foi concluído o julgamento do Recurso Especial (REsp) nº 1.235.979/RS, por meio do qual foi discutido se os gastos com combustíveis, lubrificantes e peças de reposição utilizados na frota própria estariam abarcados pelo conceito de insumo do PIS/Pasep e da Cofins (BRASIL, 2014). A empresa Recorrente exerce como atividade principal o comércio atacadista, com destaque ao gênero alimentício, e formatou sua rede logística de maneira a realizar as entregas por meio de seus próprios veículos (BRASIL, 2014).

                O ministro Mauro Campbell Marques, em seu voto vogal, expôs alguns pontos relevantes para a solução da lide. Na visão do ministro, as atividades de revenda de mercadorias e sua posterior entrega devem ser analisadas separadamente, pois, conforme consta no contrato social, a empresa dedicar-se-á, também, ao transporte rodoviário de cargas e, dessa forma, existem dois fatos distintos: (a) o comércio atacadista e (b) o transporte das mercadorias (BRASIL, 2014). Marques destacou que, em consequência de a entrega ser efetuada por sua frota própria, os custos inerentes a essa atividade são incorporados ao preço final das mercadorias, onerando, portanto, a base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins (BRASIL, 2014). Complementarmente, o ministro elucidou que a Lei claramente permite o abatimento de créditos sobre os gastos com fretes na operação de venda, quando o ônus for suportado pelo vendedor e, por esse motivo, caso mantida a glosa fiscal, possivelmente haveria uma reestruturação empresarial para segregar as atividades, criando-se uma nova pessoa jurídica com o objetivo de realizar o transporte das mercadorias. Posto isso, decidiu-se, por maioria dos votos, em dar provimento ao REsp, permitindo o desconto de créditos sobre os referidos dispêndios (BRASIL, 2014).

                Outra relevante decisão do STJ sobre a matéria ocorreu por meio do REsp nº 1.246.317/MG. Após debates sobre a possibilidade de abater créditos de materiais desinfetantes utilizados para limpeza do setor fabril em uma indústria alimentícia, os ministros dispuseram na Ementa o que seriam considerados insumos. Por maioria dos votos, fora decidido que:

 

                São “insumos”, para efeitos do art. 3º, II, da Lei nº 10.637/2002, e art. 3º, II, da Lei nº 10.833/2003, todos aqueles bens e serviços pertinentes ao, ou que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços, que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes. (BRASIL, STJ, Recurso Especial nº 1.246.317-MG, rel. ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, 2015).

 

                Recentemente, concluiu-se o julgamento do REsp nº 1.221.170/PR pelo STJ que trata do tema, o qual fora submetido ao rito de recurso repetitivo (BRASIL, 2014). Após longos debates, restou decido, por maioria dos votos dos membros da 1ª seção do Tribunal, que o conceito de insumo deva ser analisado sob a ótica da essencialidade ou relevância, tese levantada pela ministra Regina Helena Costa (BRASIL, 2014). No entanto, devem-se aguardar as próximas decisões, principalmente das instâncias inferiores sobre a matéria, verificando os impactos e aplicações do referido julgamento concluído pelo Tribunal Superior.

 

                3. METODOLOGIA

                Diante dos objetivos específicos traçados, a presente pesquisa, no que tange à natureza, classificou-se como aplicada, pois pode, a qualquer momento, fornecer subsídios para aplicação na realidade das pessoas jurídicas, tendo em vista que busca tornar claro o posicionamento da RFB, Carf, Doutrina e Judiciário, acerca da matéria. Quanto aos objetivos, foi classificada como exploratória, pois, no decorrer do trabalho, valeu-se da pesquisa bibliográfica para o levantamento de dados, buscando a exemplificação desses a fim de facilitar a sua compreensão.

                Já quanto aos procedimentos técnicos, foi utilizada a técnica de pesquisa bibliográfica. Conforme Prodanov e Freitas (2013), uma pesquisa bibliográfica é aquela baseada em materiais já publicados, como livros, jornais, revistas, pesquisas, monografias, dissertações, entre outros, os quais já passaram por uma análise anteriormente. A classificação como bibliográfica ocorreu pelo fato de que, no decorrer do estudo, os dados foram coletados a partir de conteúdos já publicados, por meio do exame de livros (Doutrina), decisões (Carf, TF4 e STJ) e SCs (RFB).

                Na tipologia relativa à abordagem do problema, foi utilizada a pesquisa qualitativa. Segundo Prodanov e Freitas (2013), um trabalho qualitativo não se utiliza de dados estatísticos como foco principal no processo de análise, mas, sim, de dados coletados no ambiente onde estes ocorrem, sem qualquer intenção do pesquisador em alterá-los. Como o presente trabalho não se utilizou de dados estatísticos, isto é, não se dedicou a verificar os impactos financeiros/econômicos de uma adoção mais ampla ou restrita do conceito de insumo, mas buscou analisá-lo em sua essência de forma crítica, classificou-se como qualitativo.

                A pesquisa em questão foi classificada, quanto aos instrumentos de coleta de dados, como documental indireta bibliográfica. O enquadramento ocorreu, pois utilizou-se de dados já publicados sobre tema para a sua formulação. Apesar de as informações encontrarem-se dispersas em várias fontes, essas já passaram por um tratamento analítico prévio de forma individual, cabendo ao pesquisador reuni-las e analisá-las sistematicamente, a fim de alçar dados relevantes para a análise.

                Após levantadas as posições da Doutrina, da RFB, do Carf e dos Tribunais, buscou-se analisá-las de forma crítica, apontando as semelhanças e discordâncias entre elas. Para Raupp e Beuren (2004), essa análise classifica-se como documental, uma vez que se utiliza de diversas fontes para verificar se estão, ou não, relacionadas entre si. Por fim os dados foram organizados em quadros, de forma a facilitar a compreensão.

 

                4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

                O conceito de insumo para fins de apropriação de créditos do PIS/Pasep e da Cofins gera diversos debates nos cenários empresarial, doutrinário, administrativo e judicial. Determinadas correntes de pensamento defendem uma linha mais restritiva, enquanto outras buscam ampliar as possibilidades de desconto de créditos. Em face do exposto, tomando como base os dados coletados no Capítulo 2, bem como utilizando-se dos procedimentos metodológicos descritos no capítulo anterior, na sequência será apresentada a análise e discussão dos resultados obtidos.

                Os EPIs possuem por objetivo resguardar a integridade física de quem os utiliza, geralmente sendo empregados em atividades de cunho insalubre ou de periculosidade. Conforme demonstrado anteriormente, por força do art. 166 da CLT, torna-se obrigatório o fornecimento gratuito de tais materiais pela empresa sempre que houver riscos de acidentes e/ou danos à saúde de seus colaborados. É sabido que diversas funções se enquadram nesses quesitos, sendo, assim, dever da empresa a sua aquisição e disponibilização.

                Embora numerosos contribuintes utilizem-se, também, de tais argumentos ao formular SCs à RFB sobre a possibilidade de considerá-los como insumos, as respostas têm sido negativas. Verificou-se que, para fundamentar seu posicionamento, a RFB baseia-se essencialmente nas disposições contidas nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004, as quais permitem o desconto de créditos apenas sobre os bens e serviços empregados diretamente no processo produtivo ou na prestação de serviço. Em frente ao exposto, para o órgão, os EPIs não estão abarcados no conceito de insumo previsto nas leis instituidoras do PIS/Pasep e da Cofins não cumulativos.

                Já no Carf, constatou-se que as decisões decorrem, inclusive, da análise da atividade empresarial desempenhada pelo contribuinte. Nos dados analisados, foi possível identificar que determinados conselheiros, embora defendam a aplicação das INs supramencionadas, buscam avaliar a existência de ação direta dos insumos na prestação de serviço ou na produção de bens destinados à venda, como ocorreu no Acordão nº 9303-005.192 (favorável ao desconto de créditos sobre o EPIs). No entanto, conforme destacado no Quadro 1, observou-se uma tendência à adoção do critério da essencialidade, que procura vincular a utilização do insumo às receitas tributadas, sendo mais amplo que o entendimento da RFB.

 

Quadro 1 - Conceito de Insumo PIS/Pasep e Cofins - EPI

 

Posição da RFB

Posição do Carf

Posição do Judiciário

EPIs não se enquadram no conceito de insumo;

Sem aplicação/consumo direta;

Base nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004.

EPIs podem ser conside-rados como insumos;

Vinculação entre o insumo e as receitas tributadas;

Essencialidade.

TRF4 - EPIs somente podem ser considerados como insumos se aplicados/consumidos diretamente;

TRF 4 - Aplicação das disposições contidas nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004.

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

                No que tange à esfera judicial, especificamente ao TRF4, pôde-se detectar, em determinados julgamentos, uma linha intermediária entre o posicionamento do Carf e da RFB. O referido Tribunal, na Apelação Cível nº 5004359-53.2015.4.04.7203/SC, aplicou o entendimento previsto nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004, todavia, efetuando uma análise da atividade desenvolvida pelo contribuinte, por meio da qual se atestou que os EPIs exerciam ação direta à prestação de serviço, sofrendo desgaste gradativo em função de sua utilização, permitindo-se, assim, o abatimento de créditos sobre tais aquisições. Contudo, constatou-se que o entendimento do Tribunal tende a um viés mais restritivo, em consonância com o posicionamento da RFB.

                A partir do estudo da Doutrina, verificou-se uma linha de pensamento similar entre eles. Para os autores pesquisados no presente trabalho, o que fez a RFB ao editar as INs nº 247/2002 e nº 404/2004 foi tornar aproximado o conceito de insumo para o PIS/Pasep e a Cofins ao do IPI, o que tem por consequência, por exemplo, a constante negativa da RFB no reconhecimento de créditos dos EPIs, conforme citado por Moreira (2012). Todavia, segundo disse-nos Martins (2005), os referidos tributos possuem materialidades completamente distintas, enquanto o IPI possui caráter físico ligado à produção. As contribuições em questão englobam também perspectivas abstratas, não sendo possível tal equiparação.

                Diversos contribuintes, ao formatarem suas redes logísticas, optam por efetuar as entregas de seus produtos/mercadorias por meio de veículo próprios. Dessa opção derivam diversos custos, entre eles os combustíveis, lubrificantes e peças de reposição empregados na manutenção da frota. O cerne das discussões deriva da possibilidade de descontar créditos de PIS/Pasep e Cofins sobre as aquisições de tais bens, considerando-os como insumos.

                Na visão da RFB, os referidos gastos não se enquadram no conceito legal de insumo, pois inexiste a aplicação direta na prestação de serviço ou na produção de bens destinados à venda. Verificou-se que para o Órgão a entrega dos produtos e/ou mercadorias é considerada uma etapa ligada à produção/comercialização. Dessa forma, não ocorre o emprego dos mencionados itens na fabricação dos produtos, tampouco existe uma prestação de serviço. Pôde-se constatar também que não é permitido o reconhecimento desses como despesas de frete, conforme previsto no inciso IX, art. 3º das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, pois esse fato ocorre somente com a contratação de uma terceira pessoa jurídica.

                No entanto, detectou-se uma divergência no Carf frente a tal posicionamento da RFB, principalmente quanto ao vínculo da entrega à comercialização/fabricação. Com os dados obtidos, percebeu-se que o Conselho buscou segregar as operações, classificando o transporte como uma atividade distinta à venda. Dessa forma, a entrega foi categorizada como prestação de serviço, sendo os combustíveis, lubrificantes e peças de reposição considerados como insumos inerentes a sua execução, entendimento igualmente identificado no âmbito judicial, especificamente do STJ.

                Para a referida Corte Superior, dado o momento em que a empresa opta por efetuar suas entregas por conta própria, sujeita-se também aos custos inerentes a essa operação. Verificou-se que, para o STJ, tais dispêndios passam a integrar o preço final das mercadorias/produtos, portanto, aumentando a base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins. Por conseguinte, deve haver o seu reconhecimento como insumos na prestação do serviço de transporte. Outrossim, notou-se que, para o Tribunal, não existe lógica em permitir o abatimento de créditos sobre as aquisições de fretes de terceiros e glosar os gastos decorrentes da manutenção da frota própria que desempenha a mesma atividade, pois, caso mantida a autuação, a possível consequência seria a reestruturação societária, criando-se uma nova pessoa jurídica com o único propósito de transportar as mercadorias da empresa comercial.

 

Quadro 2 - Conceito de Insumo PIS/Pasep e Cofins - Combustíveis, lubrificantes e peças de reposição utilizados em frota própria para transporte na operação de venda

 

Posição da RFB

Posição do Carf

Posição do Judiciário

Combustíveis, lubrifican-tes e peças de reposição utilizados na frota própria não podem ser considerados como insumos;

Sem aplicação/consumo direta;

Não se apresenta como despesa de frete.

Base nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004.

O transporte na operação de venda é um serviço prestado em separado.

Sobre tais dispêndios é permitido o desconto de créditos;

Essencialidade em frente à atividade exercida.

STJ - Analise segregada das operações: (a) comercialização e (b) transporte.

STJ - Entrega por conta própria onera o preço final.

STJ - Tais dispêndio são insumos na prestação do serviço de entrega das mercadorias comercia-lizadas.

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

Quadro 3 - Conceito de Insumo PIS/Pasep e Cofins - Síntese das decisões analisadas

 

Posição da RFB

Posição do Carf

Posição do Judiciário

O aproveitamento de créditos sobre insumos está vinculado ao em-prego direto desses ao produto em fabricação ou à prestação de serviço;

Base nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004.

Predomina o entendi-mento de que o conceito de insumo para o PIS/Pasep e a Cofins deve ser diverso ao adotado para o IPI;

Base na essencialidade do insumo.

O emprego do insumo pode dar-se indireta-mente.

Ampliação das INs nº 247/2002 e nº 404/2004.

TRF4 - Predomina o entendimento de que somente geram direito ao desconto de créditos os insumos empregados diretamente ao pro-cesso produtivo ou à prestação de serviço.

TRF4 - Legalidade das INs nº 247/2002 e nº 404/2004

STJ - Direcionamento favorável à ampliação do conceito de insumo, ainda que forma discreta.

STJ - Essencialidade e relevância do insumo  em frente à atividade em-presarial desenvolvida, levando em considera-ção a materialidade do tributo.

 

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

                Por intermédio dos dados coletados de determinados membros da Doutrina, reforça-se a corrente de pensamento defendida (predominantemente) pelo Carf e por certos ministros do STJ nas decisões supracitadas. De acordo com o que nos ensinou Greco (2009), o pressuposto do PIS/Pasep e da Cofins é a receita ou o faturamento. Portanto, as análises devem passar não somente pelos elementos físicos, mas também pelos funcionais, necessários à obtenção da receita/faturamento. Posto isso, os insumos, para fins de desconto de créditos, devem ser aqueles que desempenham função essencial, ainda que indiretamente, à realização da receita ou faturamento, conforme descrito por Lunardelli e Mattos (2014).

                Constatou-se que o posicionamento da RFB é taxativo e baseado integralmente nas disposições contidas nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004. Embora em diversos relatórios remetidos às SCs as alegações dos contribuintes citem precedentes do Carf e demonstrem a necessidade de tais dispêndios para o desenvolvimento de suas atividades, não se observou margem interpretativa do órgão. Dessa forma, para a RFB, o aproveitamento de créditos sobre insumos somente é possível se os mesmos exercerem ação direta ou forem agregados ao produto final, ou ainda, se aplicados diretamente na prestação de serviço.

                No entanto, esse entendimento não fora identificado, em recentes julgamentos, no âmbito do Carf. Após a evolução jurisprudencial iniciada no final de 2010, descrita por Santi et al. (2016), o Tribunal dedicou-se a analisar o conceito de insumo sob ótica própria, utilizando a essencialidade do bem em relação à atividade econômica desenvolvida como fator relevante para solução das lides. Percebeu-se que a adoção dos mesmos critérios aplicáveis ao IPI encontra-se em constante afastamento pela maioria dos conselheiros, pois entendeu-se que a materialidade dos tributos é distinta, devendo também ocorrer diferenciação quanto aos conceitos aplicáveis aos insumos, reforçando as explanações de Moreira e Campos (2016).

                Já em relação ao TRF4, identificou-se a adoção de critérios similares aos da RFB. Foi possível detectar que os julgamentos selecionados foram desenvolvidos sob o abrigo das INs nº 247/2002 e nº 404/2004, sendo reconhecido o aproveitamento de créditos somente aos insumos que sejam empregados ou sofram desgaste em função da ação direta ao produto em fabricação, ou ainda, na prestação de serviço, que sejam consumidos ou sofram desgaste decorrente do emprego direto na atividade.

                No âmbito do STJ, especialmente por meio de certas decisões ocorridas a partir de 2014, verificou-se uma tendência à ampliação do conceito de insumo. Essa corrente de pensamento desenvolveu a tese, observada no REsp nº 1.246.317/MG e recentemente no REsp nº 1.221.170/PR, de que insumos devam ser considerados como os bens e serviços que viabilizem o processo produtivo ou a prestação de serviço, ainda que empregados indiretamente, ou ainda, que sua subtração acarrete substancial perda na qualidade das atividades desenvolvidas.

                Posto isso, observou-se, em especial no Carf, Doutrina e, recentemente, no STJ, uma tendência à ampliação do conceito de insumo previsto nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004. Essa maior abrangência pretendida tem como fator principal a essencialidade e relevância do bem ou serviço em relação à obtenção da receita/faturamento, prezando pela materialidade de cada tributo. Conforme descrito por Calcini (2010), deve-se atentar para a dimensão do conceito de insumo nesse escopo, sob pena de que sua amplitude acabe por abarcar todos os custos e despesas, e, nesse caso, estaríamos substituindo a similaridade com o IPI para a do IRPJ, fato que acabaria, novamente, ferindo a materialidade dos tributos, que não se confundem.

                5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

                As discussões a respeito do conceito de insumo para fins de apropriação de créditos do PIS/Pasep e da Cofins são complexas e repletas de argumentos de ambos os lados. Os debates surgiram por não existir previsão expressa, nas leis instituidoras das referidas contribuições, de quais bens e serviços seriam considerados como insumos. Determinados impasses acerca da matéria, após serem objeto de diversas Soluções de Consulta, foram alçados ao âmbito do Carf e do Poder Judiciário, porém, esses, nos que lhes concerne, não obtiveram soluções unânimes para as lides. Complementarmente, diversos membros da Doutrina debruçaram-se a estudar o tema, alçando importantes teses, algumas das quais tiveram seus reflexos percebidos nos julgamentos de determinados Tribunais.

                Nessa conjuntura, o presente trabalho, com o intuito de responder ao problema de pesquisa e atingir o objetivo geral proposto, organizou-se por meio de dois objetivos específicos, os quais se dedicaram em: (a) explorar a posição da Doutrina, bem como decisões de determinados Tribunais administrativos e judiciais e (b) confrontar tais entendimentos entre si e em relação ao posicionamento da RFB acerca da matéria, interpretando-os de maneira crítica e construtiva.

                Para alcançar o primeiro objetivo específico proposto, fez-se necessário, inicialmente, delimitar o escopo de pesquisa, haja vista a quantidade de discussões sobre o tema. Para tal, foram selecionados dois assuntos considerados relevantes que serviram de base para a coleta de dados: (a) EPIs e (b) combustíveis, lubrificantes e peças de reposição empregados na frota própria. Complementarmente, elegeram-se decisões de determinados Tribunais pertinentes às discussões e na construção das linhas de pensamento.

                Dessa maneira, o Capítulo 2 dedicou-se a explanar o entendimento da RFB, do Carf, do Judiciário e da Doutrina. Por intermédio da técnica de revisão bibliográfica, foram coletados dados que se enquadravam nas definições supramencionadas, atentando-se também à contemporaneidade das decisões, isto é, prezando por julgamentos recentes e que de melhor forma representassem o atual posicionamento dos Tribunais analisados. No que tange ao levantamento de dados de membros da Doutrina, igualmente fora empregada a técnica de revisão bibliográfica, resguardando teses de importantes autores da área tributária. Posto isso, foi possível atingir o primeiro objetivo traçado.

                O Capítulo 4, por sua vez, empenhou-se em apresentar a análise comparativa dos dados coletados. Pelo fato de a maioria das decisões e teses selecionadas serem descritivas, organizaram as informações em quadros, mantendo lado a lado os entendimentos da RFB, do Carf e do Judiciário, comparando-os com os argumentos trazidos pela Doutrina. Ao final, para que o segundo objetivo fosse alcançado satisfatoriamente, estruturou-se um quadro resumo, buscando enfatizar as semelhanças e diferenças de cada ponto de vista.

                Contudo, foi possível verificar uma adoção restrita do conceito de insumo por parte da RFB, valendo-se das prerrogativas existentes nas INs nº 247/2002 e nº 404/2004. Para o órgão, somente enquadram-se como insumos os bens e serviços que exerçam ação sobre o produto em fabricação ou sofram desgaste em decorrência da utilização direta na prestação de serviço. Outrossim, constatou-se o emprego similar dos critérios pelo TRF4, entre as Apelações Cíveis selecionadas, julgando as ações sob a guarda das INs em questão.

                Por outro lado, pôde-se observar, no âmbito do Carf, que as decisões se nortearam a partir da análise da essencialidade do insumo em frente à atividade empresarial desenvolvida pelo contribuinte. A maioria dos conselheiros, na amostra estudada, debruçaram-se em desenvolver o pensamento deixando de lado as disposições das IN’s que versam sobre o tema, solucionando as lides, também, sob a ótica da materialidade própria de cada tributo, fato esse defendido igualmente pela Doutrina analisada. No entanto, deve-se atentar à abrangência dos créditos efetuados, isso é, não “alargando” demasiadamente os abatimentos, sob pena de utilizar-se critérios do IRPJ e, consequentemente, desrespeitar a materialidade dos tributos em questão, uma vez que a incidência do PIS/Pasep e Cofins ocorre por meio da receita/faturamento e não com base no resultado da empresa (como ocorre com o IRPJ).

                No que tange ao STJ, em especial ao julgamento recentemente concluído do REsp nº 1.221.170/PR, pôde-se observar uma adequação à corrente de pensamento já desenvolvida no Carf e por membros da Doutrina, prezando pela essencialidade ou relevância do bem à atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte. Não se criou uma tese homogênea que especificou/discriminou sobre quais bens e serviços poder-se-á descontar créditos, pois tal fator é influenciado diretamente pela forma como a empresa realiza seu negócio, mas, sim, um critério flutuante, que pode, em tese, ser empregado individualmente por cada contribuinte em virtude da maneira como executa suas atividades, respeitadas as materialidades intrínsecas de cada tributo.

                Neste contexto, pode-se vislumbrar e sugerir que novas pesquisas analisem o conceito de insumo sob enfoque quantitativo, isto é, verificando o impacto financeiro de uma adoção mais ampla, conforme aquela defendida pelo Carf e Doutrina, em relação à utilização do conceito em sentido restrito, sustentado pela RFB.

 

                6. REFERÊNCIAS

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* Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Feevale e pesquisador

* Orientador, professor adjunto da Universidade Feevale e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é advogado atuante na esfera tributária consultiva e litigiosa.

 

 

(Fonte: RBC nº 231)

 

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