PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS ADMINISTRATIVOS - MEF 31394 - BEAP
LAURITO
MARQUES DE OLIVEIRA *
Os princípios expressos no caput do art. 37 da
CF/88, a partir da Emenda Constitucional nº 19/98 (Reforma Administrativa), são
cinco, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência (este último acrescentado pela Emenda referida).
A Lei nº 9.874/99, que trata dos processos
administrativos no âmbito federal, também incluiu, em seu art. 2º, a eficiência
no rol dos princípios norteadores da Administração Pública, juntamente com os
princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, do contraditório, da segurança
jurídica e do interesse público.
Os princípios são as ideias centrais de um sistema,
estabelecendo suas diretrizes e conferindo a ele um sentido lógico, harmonioso
e racional, o que possibilita uma adequada compreensão de seu modo de
organizar-se. Os princípios determinam o alcance e sentido das regras de um
determinado ordenamento jurídico.
Devemos notar que o art. 97 da CF/88 se encontra
inserido em seu Capítulo VII - “Da Administração Pública”, especificamente
correspondendo à Seção I deste Capítulo, que trata das “Disposições Gerais”.
Este fato, ao lado da expressa dicção do dispositivo, torna claro que os
princípios ali enumerados são de observância obrigatória para todos os Poderes,
quando no exercício de atividades administrativas, e em todas as esferas de
governo - União, Estados, DF e Municípios, alcançando a Administração Direta e
a Indireta.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade é a diretriz basilar de
todos os estados de direito, constituindo, em verdade, sua própria
qualificação.
A formulação mais genérica deste princípio
encontra-se no inciso II do art. 5º da CF, artigo em que se insculpem os
direitos e garantidas fundamentais de nosso ordenamento. Lemos, no dispositivo,
que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”. Como aqui se trata de um direito individual, decorrente do liberalismo
do Século XVIII, voltado essencialmente, portanto, à proteção dos particulares
contra o Estado, temos como corolário que aos particulares é lícito fazer tudo
aquilo que a lei não proíba. Podemos de pronto perceber que tal assertiva é
totalmente inaplicável à atividade administrativa, pois, enquanto para os
particulares a regra é a autonomia da vontade, para a Administração a única
vontade em que podemos cogitar é a vontade da lei, sendo irrelevante a vontade
pessoal do agente.
O princípio
da legalidade, devido a sua importância, encontra-se enunciado relativamente
aos mais diversos ramos do Direito, assumindo, em cada caso, os matizes
decorrentes das peculiaridades do ramo a que se refere. Assim, exemplificando,
para o Direito Penal, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal” (CF, art. 5º, XXXIX); para o Direito
Tributário, é vedado “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”
(CF, art. 150, I) etc.
No que concerne ao Direito Administrativo, a CF não
estabeleceu um enunciado específico para o princípio em comento. Podemos,
entretanto, afirmar que, neste ramo do Direito Público, a legalidade traduz a
ideia de que a Administração, no exercício de suas funções, somente poderá agir
conforme o estabelecido em lei. Inexistindo previsão legal para uma hipótese,
não há possibilidade de atuação administrativa, pois a vontade da Administração
é a vontade expressa na lei, sendo irrelevantes as opiniões ou convicções
pessoais de seus agentes. Assim, diz-se que a Administração, além de não poder
atuar contra a lei ou além da lei, somente pode agir segundo a lei (a atividade
administrativa não pode ser contra legem nem praeter legem, mas
apenas secundum legem).
Os atos eventualmente praticados em desobediência a tais parâmetros são atos
inválidos e podem ter sua invalidade decretada pela própria Administração que o
haja editado ou pelo Poder Judiciário.
O art. 84, VI, da CF, explicita o acima expendido,
atribuindo competência ao Presidente da República (Chefe da Administração
Pública Federal) para sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como
expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. Os regulamentos
autônomos são, portanto, incompatíveis com nosso Estado de Direito e a
Administração não pode criar, restringir, modificar ou extinguir direitos para
os administrados a não ser que tais possibilidades se encontrem determinadas em
lei.
Devemos observar que a possibilidade de o Poder
Executivo expedir atos que inaugurem o Direito Positivo somente existe nas
situações expressamente previstas no próprio Texto Constitucional. Tais
hipóteses deveriam possuir sempre caráter de extrema excepcionalidade, sendo as
principais a edição de medidas provisórias “com força de lei” (CF, art. 62) e
de leis delegadas, cuja edição deve ser autorizada por resolução do Congresso
Nacional (art. 68).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio
da legalidade representa a consagração da ideia de que a Administração Pública
só pode ser exercida conforme a lei, sendo a atividade administrativa, por
conseguinte, sublegal ou infralegal, devendo restringir-se à expedição de
comandos complementares à lei. Como a lei consubstancia, por meio de comandos
gerais e abstratos, a vontade geral, manifestada pelo Poder que possui representatividade
para tanto — o Poder Legislativo, o princípio da legalidade possui o escopo de
garantir que a atuação do Poder Executivo nada mais seja senão a concretização
desta vontade geral.
PRINCÍPIO DA MORALIDADE
O princípio da moralidade torna jurídica a exigência
de atuação ética dos agentes da Administração. A denominada moral
administrativa difere da moral comum justamente por ser jurídica e pela
possibilidade de invalidação de atos administrativos que sejam praticados com
inobservância deste princípio.
Segundo uma formulação já consagrada, incorporada
inclusive ao Código de Ética do Servidor Público Civil Federal (Decreto nº
1.191/94), o servidor deve decidir não somente entre o legal e o ilegal, o
justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno,
mas principalmente entre o honesto e o desonesto.
Para atuar em respeito à moral administrativa não
basta ao agente cumprir a lei na frieza de sua letra. É necessário que se
atenda a letra e o espírito da lei; que ao legal se junte o ético.
Foi grande a preocupação da CF/88 com a moralidade
administrativa, e o princípio que se encontra resguardado em diversos
dispositivos. Cada vez mais o Judiciário tem conferido efetividade ao principio
e, hoje, já não é raro depararmo-nos com sentenças e acórdãos invalidando atos
ou procedimentos por ferirem a moralidade administrativa.
O § 4º do art. 37 da CF cuida da lesão à moralidade,
referindo-se à improbidade administrativa, nos seguintes termos:
“Os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Com maior ênfase ainda, o art. 85, V, da CF, tipifica
como crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem
contra a probidade administrativa.
Ao lado destes dispositivos voltados para a
Administração, a CF confere aos particulares o poder de controlar o respeito à
moralidade da Administração por meio da ação popular, prevista no art. 5º,
LXXIII, segundo o qual “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação
popular que vise a anular o ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de
que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural”...
PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
O princípio da impessoalidade expresso no caput
do art. 37, da CF/88, apresenta dupla acepção em nosso ordenamento.
Conforme sua
formulação tradicional, a impessoalidade se confunde com o principio da
finalidade da atuação administrativa. De acordo com este, há somente um fim a
ser perseguido pela Administração, expresso ou implícito na lei que determina
ou autoriza determinado ato. Sabemos que a finalidade de qualquer atuação da
Administração é a defesa do interesse público.
A impessoalidade da atuação administrativa impede,
portanto, que o ato administrativo seja praticado visando a interesses do
agente ou de terceiros, devendo ater-se à vontade da lei, comando geral e
abstrato por essência. Impede o princípio perseguições ou favorecimentos,
discriminações benéficas ou prejudiciais aos administrados. Qualquer ato
praticado em razão de objetivo diverso da tutela do interesse da coletividade
será inválido por desvio de finalidade.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a
impessoalidade é corolário da isonomia ou igualdade e tem desdobramentos
explícitos em dispositivos como o art. 37, II, que exige concurso público para
ingresso em cargo ou emprego público (oportunidades iguais para todos), ou no
art. 37, XXI, que exige que as licitações públicas assegurem igualdade de
condições a todos os concorrentes.
A outra acepção do princípio da impessoalidade, mesmo
mencionada pela doutrina, encontra expressão no § 1º, do art. 37, da CF, verbis:
“A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e
campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que
caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
O princípio da publicidade também apresenta uma dupla
acepção em face do sistema decorrente da CF/88. Em sua formulação mais
conhecida, refere-se o princípio à publicação oficial dos atos administrativos
a fim de que eles possam produzir efeitos externos. Evidentemente, em um Estado
de Direito, é inconcebível a existência de atos sigilosos ou confidenciais que
pretendam criar, restringir ou extinguir direitos para os administrados.
A exigência de publicação oficial dos atos externos
da Administração não é um requisito de validade dos atos administrativos, mas
sim pressuposto de sua eficácia. Assim, enquanto não verificada a publicação, o
ato não estará apto a produzir efeitos perante seus destinatários externos ou
terceiros. Entende-se por oficial a publicação no Diário Oficial da União (se
ato federal), Diário Oficial dos Estados, do DF e dos Municípios em que haja
imprensa oficial. Nos demais Municípios, admite-se a afixação do ato na sede da
Prefeitura ou da Câmara. Deve-se observar que o parágrafo único do art. 61 da
Lei nº 8.666/93 estabelece como requisito indispensável de eficácia dos
contratos administrativos a publicação resumida do seu instrumento na imprensa oficial.
O outro aspecto do princípio da publicidade diz
respeito à exigência de transparência da atividade administrativa como um todo.
Este prisma do princípio é corolário de dispositivos como o inciso XXXIII do
art. 5º, da CF (devemos observar que não se trata de um direito absoluto),
segundo o qual:
“Todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que
serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Ainda nessa esteira, embora seja um Direito menos
genérico, o inciso XXXIV do mesmo artigo assegura a “obtenção de certidões em
repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de
interesse pessoal”.
Estes aspectos do princípio da publicidade permitem o
controle pelos administrados das atividades da Administração, o qual pode ser
exercido por meio de instrumentos como a ação popular, o mandado de segurança,
o direito de petição (art. 5º XXXIV, “a”), o habeas data etc.
PRINCÍPIO
DA EFICIÊNCIA
Este
é o mais novo princípio constitucional expresso relativo ao Direito
Administrativo. O princípio foi acrescentado aos quatro anteriores, no caput
do art. 37 da CF, pela EC 19/98, que ficou conhecida como Reforma
Administrativa.
Na
obra atualizada de Hely Lopes Meirelles encontramos
referência ao princípio como o que impõe a todo agente público a obrigação de
realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. A
função administrativa já não se contenta em ser desempenhada apenas com
legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório
atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.
Para
a professora Maria Sylvia Di Pietro, o princípio apresenta dois aspectos:
a)
relativamente à forma de atuação do agente público, espera-se o melhor
desempenho possível de suas atribuições, a fim de se obter os melhores
resultados;
b)
quanto ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública,
exige-se que este seja o mais racional possível, no intuito de alcançar
melhores resultados na prestação dos serviços públicos.
O
objetivo do princípio é assegurar que os serviços públicos sejam prestados com
adequação às necessidades da sociedade que os custeia.
A ideia de
eficiência aproxima-se da de economicidade. Visa-se atingir objetivos
traduzidos por boa prestação de serviços, do modo mais simples, mais rápido e
mais econômico, elevando a relação custo/benefício do trabalho da
Administração. O administrador deve sempre procurar a solução que mais bem
atenda ao interesse publico, o qual deve tutelar.
O constitucionalista Alexandre de Moraes define o
princípio da eficiência como aquele que “impõe à Administração Pública direta e
indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de
suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa,
eficaz, sem burocracia, e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção
dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos
recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma maior
rentabilidade social”.
Eficiência tem como corolário a boa qualidade. A
partir da positivação deste princípio como norte da atividade administrativa, a
sociedade passar a dispor de base jurídica expressa para cobrar a efetividade
do exercício de direitos sociais, como a educação, a saúde e outros, os quais
têm que ser garantidos pelo Estado com qualidade ao menos satisfatória. Pelo
mesmo motivo, o cidadão passa a ter o direito de questionar a qualidade das
obras e atividades públicas, exercidas diretamente pelo Estado ou por seus delegatários.
* Contador, auditor, diretor
da Magnus Auditores e Consultores Associados, consultor do BEAP.
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