DANO MORAL -
INDENIZAÇÃO - CABIMENTO - CONDUTA DO EMPREGADOR QUE VIOLA A DIGNIDADE, IMAGEM E
HONRA DO TRABALHADOR - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO -
MEF 31274 - LT
PROCESSO
TRT/RO Nº 0010743-74.2015.5.03.0086
Recorrente : CRBS
S/A
Recorrido : Valdiney Domingues
Relator : Eduardo
Aurélio Pereira Ferri
E M E N T A
DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. CONDUTA DO
EMPREGADOR QUE VIOLA A DIGNIDADE, IMAGEM E HONRA DO TRABALHADOR.
Demonstrado o fato de que o reclamante foi acusado de furto qualificado e
indevidamente preso em flagrante, embora tenha sido, posteriormente, requerido
o arquivamento do inquérito policial, pelo Ministério Público, impõe-se a
condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, sendo
evidente a ocorrência de violação à honra, à imagem e à dignidade do
trabalhador (artigo 5º, item X, da Constituição Federal), que, em razão de tal
conduta, sofreu incalculável constrangimento e humilhação.
R E L A T Ó
R I O
O Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Alfenas, pela
sentença identificada pelo ID nº 60fe12e, julgou improcedente a pretensão
deduzida em face da 1ª reclamada (CP Log Logística e
Transporte Ltda) e procedentes os pedidos em face da
2ª reclamada CRBS S. A. (AMBEV), para condená-la no pagamento de indenização
por danos morais no valor de R$250.000,00.
Recurso ordinário da 2ª reclamada (CRBS S.A.) no ID
nº e4861f8, pugnando pela reforma da decisão.
Contrarrazões do reclamante no ID nº 85d2012.
É, em síntese, o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Satisfeitos os requisitos intrínsecos e extrínsecos
de admissibilidade do recurso da reclamada, dele conheço.
JUÍZO
DE MÉRITO
INDENIZAÇÃO
POR DANOS MORAIS
Discorda
a reclamada da sentença que a condenou a pagar ao autor indenização por danos
morais fixada em R$250.000,00, pelo sofrimento causado em decorrência da sua
prisão em flagrante, por suspeita de furto.
Alega
que não agiu com abuso de direito, pois existiam indícios suficientes acerca do
delito, e, por isso, não pode ser penalizada por ato da empresa que promove a
gestão de risco da reclamada, responsável pelo acionamento da polícia militar.
Argumenta
que o encaminhamento do reclamante à delegacia e a lavratura do auto de prisão
em flagrante foi ato do Estado.
Diz,
em acréscimo, que o reclamante assumiu os riscos de ser eventualmente
responsabilizado, por ter deixado de realizar o procedimento padrão de conferir
a carga a ser transportada.
Pela
eventualidade, pede a redução do valor arbitrado e que se reconheça a culpa
concorrente do reclamante, que não procedeu à conferência das mercadorias.
Assiste-lhe
parcial razão.
O
dano moral passível de recomposição é aquele causado pela subversão ilícita de
valores subjetivos que são caros à pessoa, porque, a partir da Constituição Federal
de 1988, albergou-se como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana,
dispondo o inciso X do seu artigo 5º que são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Como se vê, a ordem jurídica repele todo tipo de
tratamento degradante ou humilhante despendido ao trabalhador, configurando a
conduta como abuso de direito, passível de reparação (artigos 186 e 187 do CC e
inciso X do art. 5º da CF/88).
Na hipótese, é possível afirmar, com segurança, que a
conduta patronal foi abusiva, o que se traduz em ato ilícito, nos termos do
art. 187 do Código Civil, ocasionando incalculável constrangimento ao
reclamante e grave violação a sua honra e imagem.
Dos autos se
infere que a admissão do obreiro ocorreu em 17.10.2011, pela 1ª reclamada, para
prestar serviços de transporte de bebidas e produtos fabricados pela 2ª ré. O
término do seu contrato se deu em 04.02.2014 (TRCT de ID nº fcbeeef)
e o evento que motivou a propositura desta ação ocorreu no dia 24.05.2013.
Segundo
narrado na inicial, assim que o autor deixou o estabelecimento da recorrente na
condução de veículo de propriedade da 2ª reclamada, foi parado pela Polícia
Militar, sob a alegação de que transportava caixas de bebidas em excesso.
Conduzido à Delegacia de Polícia, foi autuado e preso em flagrante, acusado da
prática de crime de furto, porque no veículo foram encontradas cinco caixas
extras de bebidas. Recolhido à unidade prisional do Município, lá permaneceu
até o dia 25.05.2013, quando foi concedida a liberdade provisória e,
posteriormente, requerido o arquivamento do inquérito pelo Ministério Público,
que entendeu pela caracterização de crime impossível. Diz a inicial, ainda, que
de tão aterrorizado, foi levado do presídio ao hospital local, com suspeita de
infarto. Não obstante todo o ocorrido, a 1ª reclamada exigiu que o reclamante
voltasse a prestar serviço junto à 2ª reclamada.
Esses
fatos, exceto o alegado princípio de infarto, foram todos confirmados pelos
documentos juntados com a inicial, consistentes no boletim de ocorrência, auto
de prisão, alvará de soltura e pedido de arquivamento (ID nº 3f5a376, ca5ae5e,
b2186d4, 07d7651, 03f3038, 1d6d098, b28e6a8, 6a199a1, 8d6dae7 e 4260472).
Por
pertinente, julgo aqui a transcrição dos fatos relatados na proposta de
arquivamento apresentada pelo Ministério Público (ID nº ca5ae5e):
Instaurou-se
o presente inquérito policial, a partir do Auto de Prisão em Flagrante de
folhas 02/17, para apuração do crime de furto qualificado tentado, supostamente
praticado por Jhony Martins Esteves e Valdiney Domingues.
Documentos
carreados aos autos demonstram que, no dia 24/05/2013, por volta de 02 horas e
30 minutos, no pátio da empresa AMBEV, situada à Avenida Governador Valadares
nº 2.399, Bairro Jardim São Carlos, nesta urbe, Heleno Wanderley dos Reis
percebeu que o ajudante de armazém por nome Jhony
Martins Esteves, sem autorização para tanto, postava-se na parte superior de um
dos três caminhões de carroceria aberta carregados de mercadoria, segundo
depoimento de fl. 06.
Diante
da atitude suspeita e de recentes problemas da empresa com estoque dos
produtos, citada testemunha e o colega Caio Augusto Souza dos Santos
vistoriaram as cargas constantes dos três veículos e certificaram que
mercadorias pendentes em dois dos caminhões haviam sido acondicionadas naquele
em que o funcionário Jhony foi surpreendido. O fato
foi imediatamente relatado ao supervisor da empresa, Sr. Gerson Godói de Paula,
que determinou a proibição no manuseio das mercadorias, conforme declarações de
fls. 06 e 08.
Segundo histórico da ocorrência acostado às fls.
30/31, Gérson Godói de Paula acionou a Polícia Militar e disse que o caminhão
Ford Cargo 1317, placa GYS - 6594 estaria com carga não especificada na nota
fiscal de entrega.
Por
volta das 8 da manhã, o veículo foi abordado, na saída da empresa, por
milicianos, os quais constaram a irregularidade noticiada e detiveram o
motorista Valdiney Domingues e o ajudante de entrega
Anderson da Silva, assim como, já em sua residência, o suspeito Jhony Martins Esteves.
Como
se vê, a 2ª reclamada teve notícia de possível irregularidade na carga através
do relato de um empregado de nome Heleno, que disse ter visto o ajudante de
armazém, Jhony Martins Esteves, na parte superior da
carroceria de um caminhão, sem autorização para tanto. A partir daí,
desencadearam-se os fatos de forma que o reclamante — cuja participação neste
evento sequer foi provada — foi indevidamente privado de sua liberdade, sendo
autuado em flagrante pelo crime de furto qualificado.
É
certo que o empregador não pode ser privado do direito de resguardar seu
patrimônio, mas desde que não haja abuso do poder na utilização de medidas que
impliquem exposição do empregado a situação vexatória, como a que ocorreu na
hipótese dos autos.
Embora
a recorrente defenda a tese de que não foi a responsável pelo acionamento da
Polícia Militar, não há dúvidas de que agiu sem a cautela necessária na
apuração dos fatos ocorridos em seu estabelecimento, sobretudo na apuração do
envolvimento do reclamante, antes de noticiar o evento que culminou com a
comunicação à Polícia.
Além
disso, ressalto que não altera a realidade dos fatos a declaração do reclamante
perante a autoridade policial quanto à obrigatoriedade de conferência da carga
pelo motorista, no momento em que se lavrou o auto de prisão em flagrante (ID
nº b28e6a8), pois ainda que tivesse havido omissão de sua parte, caberia à
recorrente, primeiramente, apurar com prudência os fatos de que suspeitava e a
participação dos seus empregados.
Além
disso, a testemunha empresária, Sr. Gerson Godói de Paula, coordenador de
logística da 2ª reclamada, declarou que há empregados especificamente
designados para a realização do carregamento e conferência, sendo que o
motorista não permanece no depósito neste momento. Confira-se a íntegra do seu
depoimento (ID nº c41a55d):
“Trabalha na
AMBEV desde 2007, sendo que com o autor o depoente trabalhou na cidade de
Alfenas de janeiro/2013 a janeiro/2015; o depoente estava presente no dia em
que ocorreu o fato com o autor, relativo a extravio de produtos da AMBEV, tendo
sido chamado a polícia; houve suspeita que no veículo do reclamante havia
quantidade de mercadoria superior à liberada pelo conferente, razão pela qual a
ré acionou o gestor de risco, que é uma empresa terceirizada (OPENTEC) e esta
acionou a polícia; o reclamante, que era motorista, conferiu a mercadoria no
CDD (Centro de Distribuição) e quando foi abordado pela polícia, a polícia
constatou que havia maior quantidade de produtos; essa conferência pela polícia
foi feita em local externo ao CDD, na rua, mas próximo ao CDD; o motorista
tinha por obrigação conferir a mercadoria antes de sair com o caminhão; antes
que o motorista confira a mercadoria, dois conferentes também fazem a
conferência, razão pela qual não há possibilidade de a AMBEV ter acrescentado
produtos no caminhão do autor; para o motorista fazer a conferência, segue um
mapa de carregamento que é o documento do qual constam os produtos e
quantidades colocados no caminhão; o caminhão chega no CDD da AMBEV com o
que se chama “retorno de rota” (vasilhame das entregas do dia) e permanece o
caminhão no CDD, sendo manobrado e carregado à noite e conferido à noite por um
conferente e no dia seguinte por outro conferente e o motorista; o carregamento
é feito por funcionário da C.P LOG e a conferência por funcionários da AMBEV; o
motorista não permanece durante o carregamento; quando o motorista chega, o
caminhão já está carregado e não tem acesso ao depósito da AMBEV, pois são dois
setores distintos; a conferência é feita pelo motorista dentro do pátio do
CDD; o caminhão foi detido pela polícia após já ter saído do CDD, já estando na
avenida, um pouco mais abaixo do CDD; após a constatação de ter no caminhão
produtos em quantidade superior à liberada, o autor foi conduzido à delegacia
para apuração dos fatos e a mercadoria excedente apreendida pela polícia,
posteriormente sendo retirada pela AMBEV na delegacia; o motorista leva em
média 30 min para fazer a conferência; os dois
conferentes que conferiram o caminhão antes do autor não constataram o excesso
de mercadoria; o mapa de carregamento é assinado pelos dois conferentes e pelo
motorista após a conferência.”(grifei)
Também sobre a conferência da carga do caminhão, a
testemunha do reclamante, ouvida pelo Juízo prolator da decisão, disse o
seguinte (ID nº e2370a1):
“Que
trabalhou para a consorte passiva CP LOG de 22.01.2013 a 16.02.2016, como
ajudante, o que implicava na viagem em companhia do motorista para efetuar as
entregas aos clientes, porém, o depoente não participava da carga dos veículos;
que os veículos eram carregados à noite pelos empregados da ré CRBS; que a
rotina de trabalho era uma reunião após tomarem o café no estabelecimento da ré
CRBS, após dirigindo ao pátio e embarcando no caminhão, não competindo à equipe
de entrega a conferência da mercadoria, mas ao pessoal da CRBS. “Perguntas
do reclamante: “que no pátio onde o caminhão fica estacionado não se tem acesso
ao depósito de mercadorias; que não seria possível incluírem mais mercadorias
na carga, mesmo que fosse ela retirada de outro caminhão; que havia três
conferentes da CRBS executando o trabalho de conferir mercadorias; que não
sabe explicar o que pode ter ocorrido para que houvesse o excesso de mercadoria
no caminhão; que ao saírem pelo portão com o caminhão já avistaram duas
viaturas da Polícia Militar, tendo ocorrido a abordagem a 30 ou 50 metros do
portão; que após o episódio nenhum outro empregado da CP LOG queria trabalhar
com o reclamante. “Perguntas do reclamado CP LOG: “que não se lembra ao certo
mas permaneceu trabalhando após a prisão; que tanto o reclamante quanto o
depoente conheciam os conferentes da CRBS apenas superficialmente, por conta do
trabalho; que não conhecia uma pessoa por nome Jonhy
Martins.” Perguntas da ré CRBS: “que eram os conferentes as pessoas
incumbidas da assinatura do mapa de carregamento.” (grifei)
Pelo exposto, não tenho dúvidas em afirmar que a
reclamada agiu com absoluto exagero e imprudência. Ainda que impusesse aos
motoristas a obrigação de conferência da carga — circunstância sobre a qual
ainda paira certa dúvida — é certo que antes de decidir pelo acionamento da
empresa de segurança deveria ter tido o cuidado de averiguar a efetiva
participação do reclamante na tentativa de subtração de cinco caixas de
bebidas.
O fato de o autor, empregado íntegro e idôneo, sem
qualquer registro de antecedentes criminais (ID nº b2186d4), ter sido abordado,
conduzido à delegacia e posteriormente encaminhado à unidade prisional, onde
permaneceu de um dia para o outro, sob a injusta imputação de ter praticado
furto qualificado, comprometeu sua imagem no meio social e profissional, além
de ter-lhe causado danos de ordem íntima, fruto dos dissabores injustamente
vivenciados e com os quais conviverá para sempre.
No tocante ao valor arbitrado para a indenização,
registro que o objetivo da reparação por danos morais é punir o infrator e
compensar a vítima pelo dano sofrido, atendendo, dessa forma, à sua dupla
finalidade: a justa indenização do ofendido e o caráter pedagógico em relação
ao ofensor.
Inexistindo
parâmetro objetivo previsto em lei, o valor da indenização por danos morais há
de ser arbitrado por um juízo de equidade, levando-se em consideração alguns
critérios, tais como a extensão e gravidade da lesão, o grau de culpa do
ofensor, o bem jurídico tutelado e a situação econômica das partes, para que se
possa restabelecer o equilíbrio rompido.
Assim, em consonância com os princípios
constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, e sobretudo
considerando a gravidade dos danos causados ao empregado e o poder econômico da
reclamada, entendo por bem negar provimento ao recurso para manter a
indenização deferida na d. Vara de origem.
Nego provimento.
Conclusão
Conheço do recurso; no mérito, nego-lhe provimento.
Fundamentos pelos quais,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região,
em sessão ordinária da sua Sétima Turma, hoje realizada, sob a presidência do
Exmo. Desembargador Paulo Roberto de Castro, presente o Exmo. Procurador Arlélio de Carvalho Lage,
representante do Ministério Público do Trabalho, tendo proferido sustentação
oral a advogada Andréa Rosa C. de Oliveira, computados os votos da Exma. Desa. Cristiana Maria
Valadares Fenelon e do Exmo. Des. Paulo Roberto de
Castro, JULGOU o presente processo e, unanimemente, conheceu do recurso; no
mérito, por maioria de votos, negou-lhe provimento. Vencido o Exmo. Des. Paulo
Roberto de Castro, que reduzia a indenização por dano moral a R$100.000,00.
Belo Horizonte, 1º de setembro de 2016.
EDUARDO
AURÉLIO PEREIRA FERRI
Relator
(TRT/3ª R.
ART., PJe, 06.09.2016)
BOLT7270—WIN/INTER
REF_LT