ADMINISTRATIVO E
PROCESSUAL CIVIL - SERVIDOR PÚBLICO - COBRANÇA DE REMUNERAÇÃO EM ATRASO - NÃO
COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO - ÔNUS DO RÉU - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
MINAS GERAIS - MEF 30843 - BEAP
EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL
CIVIL - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA -
SERVIDOR PÚBLICO - COBRANÇA DE REMUNERAÇÃO EM ATRASO - NÃO COMPROVAÇÃO DO
PAGAMENTO - ÔNUS DO RÉU - JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Não há
cerceamento quando os elementos do processo são suficientes para o julgamento
da lide. 2. Nos termos do art. 330, II, do CPC, a prova da quitação da
obrigação, como fato extintivo do direito do autor, é ônus do devedor, e não do
credor. 3. A comprovação de que o ente municipal tenha deixado de efetuar o
pagamento da remuneração do servidor impõe a quitação do referido débito, sob
pena de enriquecimento ilícito e afronta aos princípios da legalidade e
moralidade, que devem nortear a conduta da Administração Pública. 4. Nas
condenações da Fazenda Pública por dívida não tributária aplica-se o art. 1º-F
da Lei n. 9.494/97 como índice único que acumula a remuneração dos juros e
fator de correção monetária no período de 20.06.2009 a 25.03.20015. 5. Antes da
citação não incidem juros de mora (art. 219 do CPC), aplicando-se somente o
índice de correção monetária da caderneta de poupança (TR). 6. Ao concluir o
julgamento da ADI 4425/DF, o STF modulou os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade do art. 1º-F, decidindo que a TR poderá ser utilizada
como fator de correção monetária no período de 30.06.2009, data de entrada em
vigor da Lei 9.494/97, até 25.03.2015. A partir de 26.03.2015 determinou a
aplicação dos juros da caderneta de poupança como juros moratórios e o IPCA-E
como índice de correção monetária.
APELAÇÃO
CÍVEL Nº 1.0418.13.002710-9/001 - Comarca de...
Apelante : Município ...
Apelado : ...
A C Ó R D Ã
O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª
CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade
da ata dos julgamentos, em <REJEITAR A PRELIMINAR E DAR PARCIAL PROVIMENTO
AO RECURSO>.
DES. RENATO
DRESCH
Relator
V O T O
... ajuizou,
perante o Juízo da Comarca de ..., ação de cobrança em face do MUNICÍPIO DE
..., pretendendo o recebimento da quantia referente ao vencimento do mês de
dezembro de 2012.
Citado, o
réu apresentou a contestação de fls. 12/16, com preliminar de falta de
interesse de agir.
Por sentença
de fls. 25/26, o Juiz Otavio Augusto de Melo Acioli julgou procedente o pedido,
para condenar o réu ao pagamento de R$ 1.181,80 ao autor, referente ao mês de
dezembro de 2012, devendo incidir juros de mora de 1% desde a citação e
correção monetária pela tabela da CGJ/MG, a partir do ajuizamento da ação. Por
fim, condenou ainda o réu ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em
10% do valor da condenação.
Inconformado,
o réu apelou pelas razões de fls. 27/43, arguindo preliminarmente o cerceamento
de defesa, pelo julgamento antecipado da lide. No mérito, requereu a improcedência
dos pedidos, sustentando que restou demonstrado nos autos o pagamento da verba
cobrada. Alternativamente, requereu que a condenação se limite ao pagamento dos
juros e correção monetária. Na hipótese de ser mantida a condenação, requereu
que a atualização monetária se dê nos termos do art. 1º-F, da Lei 9.494/97.
Contrarrazões
às fls. 45/47, sem arguição de preliminares ou prejudiciais.
É o
relatório.
Conheço do
recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
Da
preliminar de Cerceamento de Defesa
O apelante
alega ter ocorrido o cerceamento de defesa, ante o julgamento antecipado da
lide, já que em contestação protestou expressamente pela produção de prova
documental, por se tratar a matéria controvertida de questão fática.
Sobre a
questão preliminar, cumpre inicialmente esclarecer que ao julgador cabe
analisar a necessidade, utilidade e pertinência para a instrução da causa do
deferimento das provas, o que deve ser demonstrado pela parte interessada.
O
cerceamento de defesa apenas ocorrerá quando houver ofensa ao contraditório e a
ampla defesa, sendo os elementos dos autos insuficientes para a persuasão
racional, de modo que deve estar demonstrada a imprescindibilidade da prova
para a solução da lide.
Esse não é o
caso dos autos, já que tendo o autor alegado a inadimplência do Município de
..., a este competia afastar a veracidade das alegações por meio do comprovante
de pagamento, sob pena de se ter por verdadeiro o direito sustentado.
Verifica-se
que em contestação o réu se limitou a afirmar o pagamento da verba cobrada, não
tendo, contudo, apresentado o documento necessário a comprovar fato
modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor.
Por outro
lado, apesar de ter protestado pela produção de prova documental, antes da
prolação da sentença, tendo sido intimado, o réu quedou-se inerte, deixando
transcorrer o prazo sem qualquer manifestação (fl. 24-v).
Assim, com
estas considerações, rejeito a preliminar.
Do Mérito
O tema
controvertido consiste em verificar o direito do autor ao recebimento da
quantia equivalente ao vencimento de dezembro/2012, tendo o réu, ora apelante,
afirmado a ocorrência do pagamento da referida verba.
O princípio
da moralidade administrativa e o de não-enriquecimento
do ente público em detrimento do cidadão de boa-fé impõe a contraprestação do
servidor que efetivamente prestou seus serviços à Administração Pública por
meio do correspondente vencimento atribuído ao cargo por ele ocupado.
Tal direito
encontra-se, inclusive, assegurado pela Constituição Federal, em seu art. 7º,
incisos IV e VII, c/c art. 39, § 3º, que dispõe acerca do direito à
remuneração.
Assim, não se discute o direito do
servidor público efetivo ao recebimento do respectivo vencimento, conforme lhe
é garantido por lei, cabendo apenas verificar a alegada inadimplência do
Município.
No caso dos autos, o autor comprovou
ser servidor público do Município de ..., tendo tomado posse no cargo de
motorista no dia 15/05/2002, em virtude de aprovação em concurso público (fl.
07), fato este não contestado pelo réu.
Por outro lado, o apelante, muito
embora tenha afirmado que efetuou o pagamento da verba cobrada, não trouxe aos
autos prova de que tenha providenciado a quitação do débito existente, sendo
certo que lhe caberia comprovar o pagamento relativo ao período reclamado na
petição inicial, por se tratar de fato extintivo ou modificativo do direito do
autor, a teor do que dispõe o art. 330, II, CPC.
Como se sabe, a prova da quitação da
obrigação constitui ônus do devedor, não do credor, e por via de consequência,
na presente hipótese, era dever do Município de ... apresentar a prova de houve
o efetivo pagamento do vencimento do servidor, sendo imperioso ressaltar que a
mera alegação, por si só, não comprova o cumprimento da obrigação.
Sobre o assunto, ensina ALEXANDRE
FREITAS CÂMARA:
Pode-se, pois, dizer o seguinte:
incumbe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito. O réu,
por sua vez, poderá assumir dois ônus: o de provar a inexistência de tal fato
(prova contrária ou contraprova), ou de — admitindo o fato constitutivo do
direito do demandante — provar os fatos extintivos, impeditivo ou modificativo
do direito do autor. Entende-se por fato constitutivo aquele que deu origem à
relação jurídica deduzida em juízo (res in iudicium deducta).
Exemplificando: numa demanda em que se pretenda a condenação do réu ao
pagamento de dívida decorrente de contrato de mútuo, este contrato é o fato
constitutivo do direito do autor, e a este incumbe o ônus de prová-lo. Fato extintivo
é aquele que põe fim à relação jurídica deduzida no processo, como, e.g., o
pagamento. Assim, no exemplo anteriormente referido, da ação de cobrança de
dívida decorrente de mútuo, cabe ao réu provar que já efetuou o pagamento (ou
que, por qualquer outro modo, obrigação se extinguiu), e não ao autor provar
que o réu se encontra em mora (como alguns, leigos principalmente, chegam a
pensar). (Lições de Direito Processual Civil, Vol. 1, 12ª Edição, Lúmen Juris Editora, 2005, pp. 403/404).
Em casos como este, o TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE MINAS GERAIS já se manifestou:
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E
PROCESSUAL - AÇÃO DE COBRANÇA - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - VÍNCULO COMPROVADO
- INADIMPLENTO DE SALÁRIOS - PROVA DO PAGAMENTO - INEXISTÊNCIA - ÔNUS DA ADMINISTRAÇÃO
(ART. 333, II, CPC) - VALORES DEVIDOS.
Comprovada a existência de vínculo
do servidor com o Município e não tendo o Município comprovado o pagamento das
verbas pleiteadas, ônus que competia à Administração (art.333, II do CPC), deve
ser mantida a sentença condenatória. (Apelação Cível 1.0487.13.000088-7/001,
Relator(a): Des.(a) Ana Paula Caixeta, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
15/05/2014, publicação em 21.05.2014).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE
COBRANÇA - MUNICÍPIO DE DIVISA ALEGRE - SERVIDOR MUNICIPAL - COMPROVAÇÃO DA
PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS - AUSÊNCIA DO PAGAMENTO DOS VENCIMENTOS - ALEGAÇÃO DE
INDISPONIBILIDADE FINANCEIRA E PARCELAMENTO DO PAGAMENTO DAS VERBAS SALARIAIS -
IMPOSSIBILIDADE. - Ausente prova do adimplemento integral dos vencimentos do
servidor, não pode o Município se escusar do cumprimento da obrigação, sob pena
de enriquecimento ilícito da Administração Pública. - Para a improcedência do
pedido caberia ao ente municipal apresentar prova impeditiva, modificativa, ou
extintiva do direito da apelada, nos termos do art. 333, inciso II, do CPC,
como, por exemplo, a comprovação do efetivo pagamento ou que a parte autora não
prestou o serviço ou ainda a ocorrência de prescrição. Contudo, nenhuma destas
hipóteses foi sequer alegada pelo apelante. (Apelação Cível nº
1.0487.13.000086-1/001, Relator(a): Des.(a) Dárcio Lopardi Mendes, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24.04.2014,
publicação em 29.04.2014).
Aplica-se, assim, o disposto no
inciso II, do art. 333 do CPC, já que no caso, o Município réu alegou fato
extintivo do direito autoral, qual seja, o pagamento das verbas pleiteadas,
sem, no entanto, comprovar o alegado, devendo, assim, ser mantida a condenação.
Dos juros e da correção
O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97,
alterado pela Lei nº 11.960, de 30.06.2009, passou a ter a seguinte redação:
Art. 1º-F. Nas condenações impostas
à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização
monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência
uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração
básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
Na conclusão do julgamento da ADI
4425/DF, relatado pelo Min. AYRES BRITTO e tendo como Relator p/ Acórdão o Min.
LUIZ FUX, cujo julgamento foi concluído em 25.03.2015, o Tribunal Pleno do STF
declarou por arrastamento a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº
9.494/97:
(iii) afastar a expressão “índice
oficial de remuneração da caderneta de poupança”, quanto à atualização monetária
dos créditos em precatórios, contido no §12 do art. 100 da CF, por manifesta
violação ao direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII) e ao postulado
proporcionalidade, extraível da garantia do devido processo legal substantivo
(CF, art. 5º, LIV), inegáveis limites materiais ao poder de reforma da
Constituição (CF, art. 60, §4º, IV);
(iv) afastar, por arrastamento, a mesma
expressão (“índice oficial de remuneração da caderneta de poupança”) contida no
art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009;
Conclui-se, assim, que o Supremo
Tribunal Federal declarou inconstitucional a expressão “índice oficial de
remuneração da caderneta de poupança” constante do art. 1º-F do Decreto nº
9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, para fins de correção
monetária, admitindo somente a aplicação dos juros aplicados à poupança, para
fins de compensação da mora.
Ao proceder
ao desmembramento do art. 1º-F, indicando que somente a expressão “índice
oficial de remuneração da caderneta de poupança” (TR) será considerada
inconstitucional, pois não se presta a corrigir o valor histórico da moeda, o
Supremo Tribunal Federal dividiu os índices da poupança e delimitou que a TR
corresponde à correção monetária e os juros da caderneta de poupança
correspondem aos juros de mora.
Inobstante a decisão do STF
considerando a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, de acordo
com alterações introduzidas pela Lei nº 11.960/2009, ao concluir o julgamento
da ADI 4425/DF, aquela Corte modulou os efeitos da sua decisão, decidindo que a
TR poderá ser utilizada como fator de correção monetária no período de
30.06.2009, data de entrada em vigor da Lei nº 9.494/97, até 25.03.2015.
A partir de 26.03.2015 determinou a
aplicação dos juros da caderneta de poupança como juros moratórios e o IPCA-E
como índice de correção monetária.
Tendo em vista que o art. 1º-F da
Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, possui aplicação
imediata (STJ, EREsp 1207197/RS, Rel. Ministro CASTRO
MEIRA, Corte Especial, DJe 02.08.2011) e que a
citação é o meio pelo qual se constitui o devedor em mora, os juros moratórios
somente podem incidir a partir desta data. Por conseguinte, como o STF
desmembrou o art. 1º-F, delimitando que a TR corresponde à correção monetária e
os juros da caderneta de poupança correspondem aos juros de mora, antes da
citação somente incidirá a correção monetária pela TR.
Após a citação incidem os índices da
caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, até 25.03.2015,
quando se passa a aplicar os juros da caderneta de poupança como juros
moratórios e o IPCA-E como índice de correção monetária.
Pelo exposto, dou parcial provimento
ao recurso, apenas para determinar que a atualização monetária da verba
condenatória se dê nos termos do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, da seguinte
forma: do vencimento da parcela (dezembro/2012) até 25/03/2015 o valor será
corrigido pela TR, quando então serão aplicados os índices do IPCA-E; os juros
de mora incidirão a partir da data da citação, observando os índices da
caderneta de poupança.
Custas recursais pelo apelante,
isento na forma da lei.
DES. MOREIRA DINIZ (REVISOR) - De
acordo com o Relator.
DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - De
acordo com o Relator.
Súmula - “REJEITARAM A PRELIMINAR E
DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO”.
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