INTERDIÇÃO DE LATICÍNIO - ATO
ADMINISTRATIVO REVESTIDO DE LEGITIMIDADE - EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA
MUNICIPAL - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF30756 - BEAP
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO
- INTERDIÇÃO DE LATICÍNIO - ATO ADMINISTRATIVO REVESTIDO DE LEGITIMIDADE -
EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA MUNICIPAL. 1. Diante de infração
administrativa, o agente público não está investido de discricionariedade,
sendo seu ato vinculado ao grau de gravidade da infração. 2. Não tem amparo
legal a pretensão de funcionamento para o exercício de atividade comercial
empresa sem as respectivas licenças. 3. A interdição de estabelecimento, em
exercício do poder de polícia, é punição à infração sanitária (Lei Estadual nº
13.317/1999). 4. O exercício da atividade econômica sem aprovação pelo Poder
Público coloca em risco toda a coletividade e pode prejudicar o comércio local
e a organização urbana, o que não se pode admitir.
AGRAVO
DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0325.15.001206-1/001 Comarca de ....
Agravante :
...
Agravado :
...
A
C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a
4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na
conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES.
RENATO DRESCH
Relator
V
O T O
... interpôs agravo de
instrumento contra decisão proferida pelo Juiz Substituto Vinícius da Silva
Pereira, da Comarca de ..., nos autos da ação anulatória de ato administrativo
por ela aviada em face do ..., que indeferiu o pedido de antecipação de tutela,
com o qual pretendia autorização para o retorno às atividades do laticínio.
Informa que é empresa de
laticínio e, como tal, fornece leite para os programas Leite pela Vida, Fome
Zero, bem como para a Prefeitura, creches, hospitais e escolas, todavia, em
13.04.2015, em razão de fiscalização, sofreu interdição cautelar total do
estabelecimento.
Aduz que o referido ato
apresenta vícios, já que não contém motivação, além de não obedecer ao devido
processo legal, sendo desproporcional e irrazoável,
pois considera que há situações que não importam risco à saúde pública,
restringindo-se a “questões burocráticas, documentais”, em relação às quais não
foi orientada acerca dos seus mecanismos de defesa.
Alega que a interdição do
estabelecimento lhe causa prejuízos e afirma que a decisão recorrida não
analisou as provas apresentadas.
Requer seja atribuído o efeito
ativo ao recurso para a determinação da reabertura do estabelecimento,
sendo-lhe concedido prazo para sanar eventuais irregularidades e,
alternativamente, que se determine a realização de perícia técnica e inspeção
judicial antes da determinação de reabertura.
Foi indeferido o efeito
suspensivo recursal (fls. 306/309).
Informações prestadas à fl. 316.
Em contraminuta (fls. 319/333),
o ..., alegando a inexistência dos requisitos para a concessão da tutela
antecipada. No mérito, sustenta a legalidade da medida de interdição, de
natureza cautelar e não punitiva, já que a lei estabelece requisitos para o
registro no serviço de inspeção estadual, que, se não atendidos, caracterizam a
“não conformidade” sanitária, autorizando a interdição provisória. Também aduz
que o ato administrativo foi devidamente motivado. Pugna pela manutenção da
decisão agravada.
É o relatório.
Conheço do recurso, diante da
presença dos pressupostos de admissibilidade.
A agravante se insurge contra a
decisão que indeferiu seu pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para
suspender a determinação de interdição cautelar do estabelecimento.
O ato administrativo pode ser
conceituado genericamente, de acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, como:
Declaração do Estado (ou de quem
lhe faça às vezes — como, por exemplo, um concessionário de serviço público),
no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências
jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a
controle de legitimidade por órgão jurisdicional. (Curso de Direito
Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 359).
Os
elementos básicos exigidos para a validade dos atos administrativos são o
agente, o objeto, a forma, o motivo e o fim. Além disso, o ato administrativo
tem como atributos ou prerrogativas a presunção de legitimidade (ou validade),
a imperatividade, a exigibilidade ou a executoriedade.
O ato administrativo pode ser
questionado judicialmente, para discutir vícios na sua formação ou mesmo a
existência do próprio fato, todavia, o controle da razoabilidade e da
proporcionalidade será feito sob a ótica da moralidade e finalidade, para
apurar a ocorrência, ou não, de ilegalidade ou de abuso de poder, ou se os
fundamentos da decisão estão amparados na lei ou em princípio gerais de Direito
que norteiam a matéria.
Quando se trata de infração
administrativa, o agente público não está investido de discricionariedade. Seu
ato é vinculado ao grau de gravidade da infração.
Uma das formas de regulamentação
da atividade econômica é a licença, que se caracteriza como “ato vinculado,
unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o exercício de uma
atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos
legais exigidos”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 408)
A licença para exercício da
atividade econômica, exteriorizada pelo alvará de funcionamento, é
indispensável ao desempenho da atividade e deve ser concedida ao interessado
sempre que preenchidos os requisitos legais.
Sobre a licença, destaca Hely Lopes Meirelles:
Licença é o ato administrativo
vinculado e definitivo pelo qual o Poder Público, verificando que o interessado
atendeu a todas as exigências legais, faculta-lhe o desempenho de atividades ou
a realização de fatos materiais antes vedados ao particular, como, p. ex., o
exercício de uma profissão, a construção de um edifício em terreno próprio. A
licença resulta de um direito subjetivo do interessado, razão pela qual a
Administração não pode negá-la quando o requerente satisfaz todos os requisitos
legais para sua obtenção, e, uma vez expedida, traz a presunção de definitividade. Sua invalidação só pode ocorrer por
ilegalidade na expedição do alvará, por descumprimento do titular na execução
da atividade ou por interesse público superveniente, caso em que se impõe a correspondente
indenização. A licença não se confunde com a autorização, nem com a admissão,
nem com a permissão.
(MEIRELLES, Hely
Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 1992.
p. 170)
Caso
o estabelecimento não possua a licença de funcionamento, poderá a Administração
aplicar as penalidades previstas em lei e até mesmo interditar o exercício da
atividade.
Frise-se que a interdição de
estabelecimento comercial desprovido de alvará de funcionamento é ato da
Administração Pública que prescinde da propositura de ação judicial para a sua
consecução, tendo em vista a autoexecutoriedade e a coercibilidade atribuídas ao poder de polícia.
Neste sentido, decisão deste
TJMG acerca da interdição de laticínio no mesmo Município de ...:
APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME
NECESSÁRIO. ANULATÓRIA. INTERDIÇÃO CAUTELAR DA FABRICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE
PRODUTO. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA EM
REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO PROVIDO. 1. A interdição cautelar do
estabelecimento ou do produto, quando constatada infringência
às normas sanitárias, decorre do exercício do poder de polícia da
Administração, com o fim de resguardar o interesse público ao impedir a
circulação de mercadorias potencialmente nocivas à saúde da coletividade. 2.
Demonstrado que o ato administrativo respeitou as normas insertas na Lei
Estadual nº 13.317/99, notadamente quanto ao laboratório responsável pela
análise do material, bem como quanto à forma de coleta das amostras, impõe-se a
manutenção do ato atinente à interdição cautelar das atividades da empresa
apelada. (Apelação Cível nº 1.0083.10.002225-6/001 -
0022256-93.2010.8.13.0083(1) - Relator: Des. Bitencourt
Marcondes - Órgão Julgador: 8ª CÂMARA CÍVEL - Comarca de Origem: ... - Data de
Julgamento: 07.03.2013 - Data da publicação da súmula: 14.03.2013)
Feitas estas considerações,
verifica-se, no caso dos autos, que o laticínio agravante foi vistoriado pelo
... - autarquia criada pela Lei Estadual nº 10.594, de 07.01.1992, que tem como
finalidade, dentre outras, a “certificação de produtos agropecuários no Estado,
visando à preservação da saúde pública e do meio ambiente e ao desenvolvimento
do agronegócio” (art. 2º, Decreto nº 45.800, de 06.12.2011) -, em 26.01.2015
(fl. 012-TJ), e firmou Termo de Compromisso para se adequar às exigências
legais (fl. 010-TJ).
Todavia, em nova vistoria, esta
realizada em 13.04.2015 (fls. 052/053-TJ), constatou que não foram sanadas
algumas irregularidades, razão pela qual a empresa foi notificada (fl. 055-TJ)
e interditada, conforme Auto de Interdição nº 011590 (fl. 054-TJ), em
decorrência de “certificado vencido; não cumprimento do termo de
compromisso...”.
Não
prospera a alegação da agravante de que inexiste fundamentação no ato
administrativo, uma vez que no Auto de Interdição constam tanto o motivo,
quanto a fundamentação legal para a aplicação da sanção para a infração
sanitária, que, aliás, foi aplicada conforme previsão contida no art. 97, VII,
da Lei Estadual nº 13.317/1999 (Código de Saúde do Estado de Minas Gerais).
Portanto, dado prazo razoável
para a empresa regularizar seu funcionamento, isto não ocorreu, de modo que a
interdição do estabelecimento é medida de rigor.
O exercício da atividade
econômica sem aprovação pelo Poder Público coloca em risco toda a coletividade
e pode prejudicar o comércio local e a organização urbana, o que não se pode
admitir.
Assim, não há fundamentos para
alterar a decisão agravada.
Diante do exposto, nego
provimento ao recurso.
Custas pela agravante.
DES. MOREIRA DINIZ - De acordo
com o Relator.
DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - De
acordo com o Relator.
Súmula -
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
BOCO8940—WIN/INTER
REF_BEAP